A dignidade humana é um conceito aberto
e plural, dotado de um conteúdo mínimo que tem como referência o ser humano
como um fim em si mesmo, e não como mero instrumento para a realização de metas
coletivas utilitaristas ou projetos pessoais. Traz em si a ideia de que o
Estado existe para servir os indivíduos como seres humanos que são.
Não é o que denuncia, infelizmente, o
caso da Penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, e de tantos outros presídios
Brasil afora. Nesses estabelecimentos, práticas sanguinolentas e desumanas
denunciam a nossa cupidez, apatia social e, sobretudo, a omissão política e
administrativa das estruturas de poder responsáveis pelos destinos do progresso
não apenas econômico — e até nisso caminhamos mal no momento —, mas social e cultural
dos brasileiros.
Na atualidade, um governo não é
legítimo só pela obediência à forma como alcança a sua posição, mas, sobretudo
pelo que faz ou é capaz de realizar para os seus governados.
Quando perde a legitimidade, os acordos
se quebram e produzem consequências indesejáveis, provavelmente a tirania, a
revolução, a cisão ou qualquer outra forma de ruptura que põe em risco os
valores fundamentais e universais, a começar pela dignidade humana e seus
valores intrínsecos — a vida, a liberdade, a intimidade, a segurança.
Corremos esse risco, porque o Brasil
está entre os países mais corruptos, com base em dados de percepção de abusos
de poder, acordos clandestinos, superfaturamentos e subornos nos setores
públicos.
Tudo isso é ainda fruto da baixa eficácia
das leis brasileiras, que favorece a corrupção, gera redução do escore de
eficiência e assim impacta de forma geral sobre indicadores sociais
importantes, com destaque para a educação, a saúde, a segurança e a Justiça, os
dois últimos diretamente relacionados às decapitações no Maranhão.
Estudo publicado no número 41 da
Revista Planejamento e Políticas Públicas (PPP), editada pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que, do ponto de vista do combate à
corrupção, o país deve considerar pelo menos três fatores: ambiente
burocrático/organizacional, qualidade da participação popular e convergência
entre leis e demandas sociais. E o país anda mal em todos esses aspectos.
A corrupção tende a aumentar o
investimento público, mas deteriora sua qualidade e retornos sociais com maior
ineficiência. Assim, se a corrupção dobrasse em um estado tecnicamente
eficiente, resultaria na redução grave do bem-estar da população.
Logo, têm razão aqueles que defendem
ser a corrupção a base de todas as mazelas sociais. Entretanto, não se combate
a corrupção vivendo de aparências e sob um modelo de atuação pública que nega a
realidade e institucionaliza esse mal. É preciso investir na estruturação e
controle de funções estratégicas e no imenso potencial que o país tem para
crescer de forma sustentável, transparente, responsável e racional.
A começar pela discussão séria dos
problemas, sem negar-lhes a existência, pela melhoria da educação da população
e pelo fortalecimento do aparato legal e institucional, concluímos que o melhor
cenário é investir em ética, não apostar na impunidade que produz o estado de
terror que atemoriza não só os maranhenses, mas todos nós que dependemos de
ações estatais para vivermos dignamente e felizes.
A tempo: em época de eleições
democráticas, o povo pode começar essa revolução sem decapitar literalmente
ninguém ou qualquer outra espécie de violência. O uso consciente do voto é a
forma civilizada capaz de eliminar ou diminuir a influência dos agentes
públicos fomentadores da nossa triste realidade. Façamos a nossa parte.
MARCELLO TERTO
Correio Braziliense
Correio Braziliense
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