A internet passou a ser um tema diário
na agenda da imprensa mundial ao se tornar parte quase obrigatória em conflitos
étnicos, militares, econômicos e legais, bem como assunto do quotidiano
doméstico. A rede deixou de ser um assunto exclusivo dos admiradores das novas
tecnologias para monopolizar as atenções de juristas, governantes, militares,
políticos, empresários e pais de família.
Prova disso é o fato de governos
trocarem farpas e ameaças de retaliações digitais, dos políticos dizerem
asneiras a granel sobre a internet, dos juristas e magistrados baterem cabeça
para achar soluções para intrincados dilemas legais, enquanto as empresas
partem para a guerra aberta por posições de força no mercado de usuários e o
cidadão comum mostra uma crescente aflição por estar no meio de um bate-boca
sobre um tema que ele só conhece a partir de informações dadas por filhos e
netos.
Querendo ou não, nossa vida já está
condicionada pela internet. Entramos, gostando ou não, na era da cultura
digital, da perda de privacidade, dos crimes online, da militarização dos bytes
e bits, da batalha entre empresas novas e antigas pela sobrevivência econômica
num ambiente que ainda é desconhecido pela maioria dos empresários, de
polêmicas judiciais difíceis de entender e mais ainda de julgar. Tudo isso em
meio à sensação de que não há mais certezas e que tudo passou a ser fluido,
mutável.
O Brasil aprovou uma lei chamada Marco
Civil da Internet com o objetivo de tentar organizar o ambiente cibernético, ao
mesmo tempo em que, em São Paulo, acontecia uma reunião mundial para resolver
quem manda e como manda na rede, um tema que ainda vai dar muito pano para
manga. Nos Estados Unidos, os internautas entraram em pé de guerra por conta da
possibilidade de o governo acabar com a chamada neutralidade da internet, uma
norma vigente desde o surgimento da rede e que estabelecia a igualdade direitos
de acesso e navegação entre todos os usuários.
A batalha na opinião pública sobre a
neutralidade está apenas começando e vai longe porque está em jogo o princípio
que deu origem à rede mundial de computadores, o da liberdade de navegação
virtual. Se não bastasse tudo isso, o americano médio ainda está sob o impacto
da revelação de que suas conversas por celular e pela rede foram monitoradas pela
Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) e descobre que a CIA
está usando redes sociais virtuais para promover manifestações
antigovernamentais em Cuba.
Na Rússia, o presidente Wladimir Putin
assoprou as cinzas da Guerra Fria ao afirmar que a internet é uma invenção da
CIA, dando a entender que vai usar a força para impedir que dissidentes usem a
rede para veicular críticas ao autoritarismo do Kremlin. A aversão de Putin ao
mundo digital foi aguçada com o uso intensivo da internet na crise da Ucrânia e
nas esporádicas demonstrações de rebeldia antiautoritarismo noutras antigas
repúblicas da extinta União Soviética.
O governo chinês há muito tempo vem
tentando domesticar os internautas do país para evitar sustos como uma eventual
“primavera chinesa”. A Turquia é outro país que olha a internet com profunda
desconfiança e já bloqueou temporariamente o acesso ao YouTube e Twitter por
não gostar de opiniões hostis emitidas por internautas locais. E no Oriente
Médio, Israel e os palestinos incorporaram o espaço cibernético ao teatro de
operações militares.
Além disso, há uma sucessão de batalhas
econômicas entre projetos surgidos na internet e empresas convencionais
inconformadas com a perda de clientela e receitas. Os juízes da Suprema Corte de
Justiça dos Estados Unidos têm nas mãos, há mais de mês, a batata quente de
resolver se uma pequena empresa, chamada Aereo, pode ou não veicular pela
internet a programação das grandes redes de TV. A decisão afetará todo o
bilionário negócio da computação em nuvem, segmento que mobiliza a atenção de
todas as grandes empresas da internet como Google, Facebook, Microsoft, Cisco,
Apple, Samsung e Oracle.
Outras duas batalhas legais nos Estados
Unidos mostram que chegou ao fim a coexistência pacífica entre empresas de
estrutura analógica e as de estrutura digital. O site AirBnB , o grande sucesso
em matéria de aluguéis de curta temporada via internet, está sendo processado
pelas imobiliárias e pela prefeitura de Nova York por ignorar uma obscura lei
que impede locações com prazo inferior a 30 dias. E o site Uber, que provocou
um terremoto entre os taxistas norte-americanos, está sendo investigado a
pedido dos sindicatos inconformados por perderem a exclusividade no atendimento
de clientes.
Daqui para frente teremos cada vez mais
notícias sobre conflitos de interesses sendo encaminhados para os tribunais ou
para a diplomacia da força. É o sinal mais evidente de que a internet está
mexendo para valer nas estruturas políticas, sociais, econômicas e militares do
mundo em que vivemos. Os interesses afetados pela mudança e pela inovação
reagem usando as instituições e leis que ainda não foram adaptadas aos novos
tempos.
Os conflitos em torno da internet estão
embaralhando os parâmetros políticos convencionais. Personalidades e empresas
consideradas antes como progressistas passaram a resistir à inovação quando
seus interesses foram afetados; enquanto outras, tradicionalmente
conservadoras, apostam no digital por conta da expectativa de lucros. Estamos
realmente no limiar de uma era de dúvidas e perplexidades muito mais profundas
do que as previstas por John Kenneth Galbraith no seu famoso livro, a Era da
Incerteza.
Por Carlos Castilho
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