*de O Imparcial:
A Polícia Militar é para servir ao cidadão e garantir a segurança
nacional, cuja função tem status de dedicação exclusiva, conforme Decreto-Lei
Federal nº 667, de 2 de julho de 1969. A atividade policial pode dividir espaço
apenas com a de professor, desde que haja a compatibilidade de horários. Mas,
para obter maiores rendimentos, policiais desempenham funções alheias às
permitidas por lei. Quem opta ou se vê obrigado a realizar os chamados ‘extras’
ou ‘bicos’ reconhece os problemas, mas atribui à falta de condições – salariais
e de trabalho.
“O militar se sente obrigado a fazer isso devido à má remuneração,
excesso de trabalho sem horas extras e falta de incentivos à carreira”, diz o
sargento e presidente da Associação dos Bombeiros e Militares do Maranhão, Jean
Marry. Segundo ele, no estado, pelo menos 80% da categoria recorre a este
expediente.
A consequência deste desvio de função pode ser desde a deficiência
da prestação do serviço à população até situações mais graves como riscos à
própria vida. Um caso deste terminou na morte do militar Clenildo Souza Gomes,
dia 14 deste mês. Ele atuava como segurança na feira da Liberdade, quando foi
surpreendido por dois homens que chegaram atirando. Mesmo baleado, ele
conseguiu atingir os suspeitos, que foram mortos. As investigações seguem a
linha de latrocínio (roubo seguido de morte) ou homicídio (cujo alvo seria o
policial militar).
Em abril deste ano, o sargento Francinaldo Ribeiro Santos foi
morto ao tentar impedir assalto próximo ao Terminal de Integração do São
Cristóvão. Ele trabalhava como segurança em uma loja de peças no bairro. Em
outro caso, outubro passado, o militar Ednaldo Batista Diniz foi assassinado a
tiros durante em um bar, no Aterro do Bacanga. Ednaldo era lotado na Companhia
de Turismo (CPTur) do Centro Histórico e trabalhava como segurança particular.
O suspeito foi preso.
A função de segurança em festas, casas de show e para pessoas físicas
é a mais comum entre os chamados ‘bicos’ feitos pelos policiais. Não é comum o
uso da farda, mas alguns utilizam armamentos da corporação. “Fazemos isso
porque ganhamos mal e não temos incentivos para crescer na carreira”, contou um
policial que prefere não se identificar. Com uma remuneração de R$ 3.500, ele
afirma que chega a ganhar até metade deste valor em uma noite como segurança em
festas. “Casos como o do colega morto na Liberdade podem acontecer também
durante a atividade policial, quando estamos de farda e bem mais expostos”.
Segundo Jean Marry, 70% do efetivo tem mais de 25 anos de trabalho
e ainda permanece na função de soldado. “Não temos a perspectiva de alcançar um
maior nível. Muitos se aposentam com a função em que iniciaram a atividade
militar. É muito desestimulante”, reitera.
No que refere à Polícia Civil, lei estadual e o Estatuto da
corporação preveem o desempenho de outras funções, desde que não conflitem com
a atividade policial. É o que explica o Sindicato dos Policiais Civis do
Maranhão (Sinpol-MA). No Estado são cerca de 2400 policiais civis, o menor
efetivo do país. Apesar dos chamados do último concurso público, o efetivo não
sofreu alteração, pois saíram agentes em tempo de aposentadoria. A remuneração
oscila entre R$ 3 mil e R$ 5,5 mil, segundo o sindicato, valor considerado
baixo pela categoria, que atribui a isto e à falta de condições devidas de
trabalho a opção pelos ‘bicos’.
A reportagem procurou o comando da Polícia Militar para tratar do
desvio de função, condições de trabalho, disponibilidade de armamentos, ações
de incentivos e programas de qualificação do policial, porém, por compromissos
no comando o titular, coronel Zanoni Porto não estava disponível.
Atuação irregular
Ao assumir a função de segurança, os policiais estariam exercendo
ilegalmente a profissão de vigilante. Este profissional se ocupa da guarda de
patrimônio, é treinado em centros autorizados, regularizado com Certificado de
Reciclagem emitido pela Polícia Federal e é reconhecido pela Lei Federal
7.102/2008. Também tem o direito ao porte de arma. “Não é correto por parte dos
militares, mas a gente não culpa o policial porque entende que ele é uma vítima
do sistema”, disse o presidente do Sindicato dos Vigilantes e Empregados em
Empresas de Segurança, Vigilância e Transportes de Valores do Maranhão
(Sindvig-MA), Raimundo Benedito Raposo. A fiscalização da atividade, do
profissional e das instituições de formação cabe à Polícia Federal. “Mas, essa
fiscalização não é existe, por isso, há muita clandestinidade na profissão”,
afirma Raposo. Segundo a assessoria da Polícia Federal as fiscalizações são
realizadas regularmente e aos casos flagrados aplicadas as medidas cabíveis. No
Estado são cerca de 30 mil vigilantes, mas, apenas nove mil em atividade e dois
mil sindicalizados.
Menor efetivo
No Maranhão são aproximadamente seis mil militares – média de um
policial para cada 876 habitantes. O déficit no Maranhão é de 12 mil homens, um
dos maiores do país. No Paraná há um policial para cada 610 habitantes e no
Distrito Federal, melhor colocado, um para cada 168 pessoas. Estudo Perfil das
Instituições de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, do ano passado,
aponta outros números preocupantes.
O militar maranhense dispõe de apenas uma arma de fogo para cada
dois policiais; e a tropa de 693 algemas e 2.253 coletes à prova de bala,
atingindo menos que um terço. No Espírito Santo, São Paulo, Paraná e Distrito
Federal o número de coletes é superior ao efetivo. A remuneração atual varia de
R$ 1.700 (soldado) até R$ 13.151 (coronel) - o 14º no ranking do país. A
categoria considera um salário condizente o de Brasília, onde um soldado ganha
R$ 7 mil.
Dedicação exclusiva
Segundo o Decreto-Lei Federal nº 667, de 2 de julho de 1969, a
carreira militar se apresenta durante as 24 horas do dia, ainda que o militar
não esteja em serviço e determina a dedicação integral e exclusiva à função. O
Decreto-Lei veda ao pessoal das Polícias Militares, em serviço ativo, fazer
parte de firmas comerciais de empresas industriais de qualquer natureza ou
nelas exercer função ou emprego remunerados. O artigo 16, do decreto federal nº
88.777/83 (R-200) determina que a carreira policial militar atividade
continuada e inteiramente devotada à finalidade peculiar das Polícias
Militares, denominada Atividade Policial Militar. O mesmo vale para o Corpo de
Bombeiros Militar
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