As palavras, como as
pessoas, têm sua vida, nascem, exploram sua juventude e morrem no
desaparecimento do uso. Algumas, intencionalmente; outras, em razão mesmo do
desgaste. Recordo-me a primeira vez que ouvi a resposta a pergunta que fiz:
“Como está nosso amigo comum, Eurico? Ele me respondeu: “Joia.” Eu nunca tinha
ouvido essa palavra com esse significado. Depois, foi massificada como expressão
de bem-estar.
Outro amigo meu,
quando viajei a Nova York e lá comentavam sobre o Brasil, me disse:
– É o país mais
legalista do mundo. Quando se pergunta até sobre as pessoas:
– Como vai?
A resposta vem
rápido:
– Tá legal.
Isso mostra nosso
apreço à lei e a condenação a tudo que está fora dela.
Que grande hipocrisia
pensar assim! Tá legal não tem explicação. É tá legal, e se aplica a muitas
coisas.
Agora, a moda e a
palavra que entraram em circulação foi delação, que passou a ser ofensiva para
aqueles juízes que levam o pobre coitado a mostrar uma fraqueza de conduta. O
delator hoje é colaborador. A primeira vantagem que ele tem ao delatar é trocar
de conceito: de pessoa de conduta ultrajante para pessoa de conduta heroica.
A palavra também é
objeto de consumo: consome-se até, como a própria moda, deixar de ser moda. A
juventude, esta, tem o seu vocabulário próprio. E eu, outro dia, tomei
conhecimento da minha ignorância do vocabulário jovem quando perguntei a um
filho meu se gostava de skate, ele me respondeu: “Meu tio, é massa.” Eu,
inocentemente, perguntei “Massa de quê?” “É massa, meu tio. O senhor não sabe o
que é massa?”
Recordo-me, com
saudades, de uma palavra que o velho Nascimento Morais, meu companheiro de
redação no jornal O Imparcial e notável figura do jornalismo maranhense, me
passou num conselho: quando quiser escrever uma catilinária sobre alguém,
comece com a palavra sevandija. Se não tiver sevandija, não é lapada nas
costas. Mas ela já desapareceu. E eu mesmo, com saudades dela, tenho receio de
empregá-la para não parecer esnobe e querer obrigar a consulta a um dicionário.
Tive um colega na
Academia Maranhense de Letras que tomou parte numa discussão levantada pelo
professor Mata Roma sobre semântica. Ele levantou-se e recitou os versos de Bilac:
“Amai para entendê-las!/ Pois só quem ama pode ter ouvido/ Capaz de ouvir e de
entender estrelas.” E concluiu: “Olhe o jogo da semântica.” Nem ele sabia o que
era semântica. O velho Mata Roma disse: “Aqui não quero falar mais. Encerro
minhas considerações nesse momento.” E ficamos, em nosso cotidiano na Academia,
de vez em quando, a olhar para o outro colega e dizer: “Olhe o jogo da
semântica.”
Domingos Vieira Filho
teve a pachorra de coletar palavras do nosso linguajar. Escreveu um livro
excelente A linguagem popular do Maranhão. Nela encontramos algumas expressões
que já estão mortas, como, para citar uma erudita, machavelismo, que nada mais
é do que a cultura chegando ao povo. Vem de Maquiavel e maquiavelismo. Além das
eruditas, há as populares: canto, cruzeta, qualira.
Quero encerrar essas
lembranças e brincadeiras com palavras repetindo uma nova expressão, que
circula hoje entre os jovens e até entre os velhos: “Tô de boa.”
José Sarney
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