Para
quem não é ou não foi cristão, nem acompanha as notícias, a tradição ibérica
consiste em fazer um boneco de pano, papel, serragem, jornal, o que seja, para
representar Judas Iscariotes – o delator de Jesus – e humilhá-lo, xingá-lo,
surrá-lo, queimá-lo, alfinetá-lo, explodi-lo.
Quando
me lembro das pauladas em Judas, fico pensando como essas tradições esquisitas
são consumidas por nós como a coisa mais normal do mundo, assentando-se em
nossa formação com seu rosário de símbolos e significados. Lembrando que Judas
resolveu ele próprio se enforcar diante do remorso que o consumiu, não sendo
necessária nenhuma turba enfurecida, de acordo com a mitologia cristã.
Claro
que a Malhação do Judas não é um treino para os linchamentos que acontecem aqui
e ali. Mas a alegria de trucidar o boneco e, através daquele ato,
descarregar as iniquidades e injustiças que enfrentamos no dia a dia tem
um paralelo com a sensação de (falso) reequilíbrio obtido através de um linchamento
que faz ''justiça'' quando a Justiça convencional não é o bastante.
O discurso
de ódio transforma a massa em turba, provoca distorções de entendimento
sobre as palavras que estão na origem da fé das pessoas. Estudei o primário em
escola católica, ao mesmo tempo, participei bastante da vida na igreja que
ficava em frente.
O discurso de
intolerância que grassa na boca de muita gente que se acha ''o povo de deus'',
de católicos a neopentecostais, não está nos quatro livros do Evangelho
cristão.
Pessoas que consideram um absurdo não comer
peixe na Sexta-Feira Santa ou não ir à missa/culto no Domingo de Páscoa, mas enchem
a boca para falar que a solução para a criminalidade é ''bandido bom é bandido
morto'' e, diante do atendimento a uma pessoa em situação de rua, grita ''tá
com dó? leva para casa''.
Não
dá para dizer para um desconhecido ''você não entendeu nada do que o
Nazareno disse!''. Seria muito arrogante e ofensivo à liberdade de que ele
dispõe. Mas que dá vontade, ah, dá, principalmente porque liberdade não é algo
absoluto, acaba quando você a usa para causar dor a alguém.
O
fato é que se tivessem interpretado por uma forma mais humana o que significa
amar o seu semelhante como a si mesmo, dar a César o que é de César e a Deus o
que é de Deus, e todo o restante, entenderíamos que professar homofobia,
racismo e machismo não faz sentido algum.
O
que significa amar alguém de verdade? E o que significa submeter alguém à minha
vontade?
Como
já disse aqui, tenho a certeza de que se Jesus, o personagem histórico,
vivesse hoje, defendendo a mesma ideia presente nas escrituras sagradas do
cristianismo, mas atualizando-a para os novos tempos, seria humilhado, xingado,
surrado, queimado, alfinetado e explodido não só num Sábado de Aleluia, mas
também em dias menos santos. Seria chamado de defensor de bicha,
mendigo e sem-terra vagabundo. Olhado como subversivo, acusado de
''heterofóbico'' e ''cristofóbico''. Alcunhado como agressor da família e
dos bons costumes. Finalizado como comunista.
Daí,
a passagem mais legal dos Evangelhos: Lucas, capítulo 23, versículo 34:
''Pai, perdoai. Eles não sabem o que fazem''.
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