Por José Sarney
Nova
Iorque. — Estou aqui nos Estados Unidos acompanhando minha esposa, que se
submeteu a uma difícil operação no joelho, buscando voltar a andar, ela que há
quatro anos está em cadeira de rodas. Mas o nosso interesse político está
sempre ligado.
A
primeira coisa que constato é a verdade do nosso velho ditado: “Aqui e lá más
fadas há”. Eu estou no lá (EUA), mas também no aqui (Brasil). O que nós
chamamos nossas desgraças não são somente nossas, mas de todos.
Aqui
(EUA) vemos o que já se processa há muitos anos no mundo ocidental, e não
sabemos para o que caminhamos, com uma forte tendência que nos aponta para o
fim da democracia representativa. O modelo que exercitamos de representantes do
povo, eleitos periodicamente, está agonizante. Em todo lugar os deputados são
alvos de profunda desmoralização, acusados de corrupção e de gozo de
privilégios, prato diário da imprensa. A internet, através das redes sociais, e
a televisão, como formadora da opinião pública, tornaram-se os principais
interlocutores da sociedade democrática.
A
pergunta que fazem é quem representa o povo: o parlamento, a imprensa ou a
mídia como um todo?
Todas as
respostas demonstram que estamos não num mundo em transformação, mas num mundo
já transformado. Tudo mudou e muda. Sabemos que os parlamentos vivem momentos
difíceis e de perplexidades. Mas foi neles que a democracia moderna se
consolidou e passou a existir de fato, a partir da notável Magna Carta (1215),
imposta ao Rei João Sem Terra, na Inglaterra. Daí em diante chegou-se à
instituição do parlamento, depois exportado para o mundo todo, acoplado à
fórmula de Montesquieu dos três poderes: legislativo, executivo e judiciário,
um fiscalizando o outro, os charmosos checks and balances — fórmula que surge
na época da criação da Constituição americana. Mas o que vai substituí-los? Eu,
há alguns anos, analisando este fenômeno disse, em discurso no Senado, que as
tendências estavam a indicar a democracia direta, isto é, onde cada um
governaria pessoalmente. Mas como isso ocorrerá? Será que a tecnologia vai
tornar possível que do celular cada cidadão possa tomar decisões de Estado? Até
chegarmos lá muita água vai rolar.
Aqui (nos
EUA), como no Brasil, o executivo e o legislativo estão em grande desgaste. O
presidente Trump é alvo de todas as acusações, que invadem sua família, seu
passado de aventureiro econômico, sua predileção por atrizes pornográficas e
seus negócios obscuros. TV e jornais se encarregam disso. A Justiça já está chamada
à colação, e os procuradores também dela participam. Apenas a Corte Suprema,
como é da tradição americana, não fala, não ouve, não opina e mantém sua
posição de proteger a Constituição, que aqui é sagrada: tem mais de duzentos
anos, e é muito difícil emendá-la.
Para
complicar tudo isso, Trump, depois da desastrosa ocupação do Iraque por W.
Bush, desencadeou agora outra perspectiva de tensão nuclear, denunciando o
acordo do Irã.
Graças a
Deus, estamos livres disso desde que Alfonsín e eu acabamos com a disputa pela
bomba nuclear entre Brasil e Argentina, prestando à humanidade o grande serviço
de desnuclearizar a América do Sul — que eu consolidei propondo e aprovando na
ONU a Resolução que considera o Atlântico Sul área livre de armas nucleares.
E, assim,
vejo os EUA muito diferentes daquele que visitei pela primeira vez, em 1961,
passando três meses nas Nações Unidas, como membro da Comissão de Política
Especial da XVI Assembleia Geral, onde anunciei, pela primeira vez naquela
Casa, a posição do Brasil condenando o apartheid, a famigerada política da
África do Sul de segregação dos negros.
Mas este
é um país extraordinário, que não podemos deixar de admirar e louvar, que fez
com que surgisse da América a nação dos direitos humanos, da liberdade, da
igualdade e dos grandes ideais democráticos.
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