Por José
Sarney
Estou
acompanhando com grande apreensão o debate sobre o Mercosul, com algumas
vozes defendendo a sua extinção. Não quero abordar o assunto sob o ângulo
econômico, mas devo fazê-lo sob o geopolítico.
Quando
assumi o governo, com o desinteresse dos políticos pela política externa, tive
margem para buscar concretizar algumas ideias que, como voz isolada, defendera
nos meus trinta anos de Parlamento, com o meu conhecimento da História da
América Latina, sobretudo do Cone Sul. E uma das coisas que eu não
entendia era a rivalidade histórica entre o Brasil e a Argentina.
Pedi
a Olavo Setúbal, meu ministro das Relações Exteriores, que fosse a Buenos
Aires e apresentasse o desejo de um novo relacionamento, que acabasse com
as nossas divergências, baseadas na teoria completamente errada de que quem
dominasse o Prata dominaria a América do Sul. Isso era uma ideia velha, do
tempo do Prestes João e das minas de prata do Potosí, na Bolívia.
Ficávamos
presos nesse equívoco, mantendo a maioria de nossas tropas de defesa na
fronteira sul, com hipóteses de guerra pregadas nas escolas militares dos dois
países, enquanto, no norte, as guerrilhas convulsionavam o Peru, o Suriname, a
Venezuela, a Colômbia. Assim, precisávamos voltar os nossos olhos para o norte,
já invadido por guerrilheiros das FARCs em São Gabriel da Cachoeira,
expulsos numa operação relâmpago e competente das nossas Forças Armadas.
Propus ao
Presidente da Argentina, Alfonsín, uma reunião logo, realizada em agosto
de 1985, e, nela, as bases do que seriam as nossas novas
relações. Alfonsín estabeleceu comigo uma grande empatia, comungando das
mesmas ideias de acabarmos as divergências históricas.
O
primeiro grande problema era o nuclear, com os dois países lutando para ter a
bomba atômica. Acabamos logo com a competição, inclusive com a visita de
Alfonsín a Itaipu, que, naquele tempo, era considerava pelos argentinos uma
bomba de água. Resultou disso o Tratado de Buenos Aires, depois recebido
com o nome de Mercosul.
Nosso
objetivo era fazer da América Latina, a partir do fim da divergência entre o
Brasil e a Argentina, um mercado comum igual ao europeu — a União Europeia
viria no futuro —, que começou com o Tratado do Aço entre a França e a
Alemanha.
A ideia
do Mercosul, de integração, considerada por Sanguinetti como o passo
mais importante de nossa história, prevaleceu, e não podemos deixar de
reconhecer que criou um comércio poderoso entre nossos países. Resultou
disso o fato de sermos o único continente no mundo livre de armas nucleares, o
que considero um serviço que eu e Alfonsín prestamos à humanidade.
Mexer
agora com o Mercosul, mesmo com os erros que o enfraqueceram ao longo do
tempo, é ressuscitar a antiga estrutura de conflito no Cone Sul e
esperar pelas consequências geopolíticas que daí virão, sem dúvida.
Esta é
uma advertência que me vem à cabeça, e não tenho dúvidas de que é preciso
manejar com cuidado esse assunto, que não é econômico, mas pode ter um
impacto da maior profundidade em nosso futuro.
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