terça-feira, 17 de agosto de 2021

COLUNA DO JOSÉ SARNEY-A PREGUIÇA E A COVID

 


Por José Sarney

A cada dia surgem descobertas e divulgam-se trabalhos acadêmicos sobre as consequências da Covid-19 e os efeitos da necessária prevenção — ficar em casa, em quarentena, isolar-se — para evitar contágios e o sofrimento dos que ficaram com sequelas da doença, algumas graves, como as que atingem o cérebro, mostrou a Universidade de Oxford.

Graças a Deus, na minha idade, quando surgiu a epidemia e fui envolvido pelas noções da gravidade do que ela representava para o mundo e da minha vulnerabilidade, primeiro tive o sentimento do medo, aquele mesmo de que Petrônio, o filósofo, diz que fez o homem criar os deuses, numa teoria pagã. Segui à risca as recomendações médicas para evitar o contágio: lavar as mãos, usar álcool, evitar aglomerações e contatos — e a Ivermectina, o chá de casca de bacuri e outros fitoterápicos milagrosos com “alto poder de prevenção”.

Recolhi-me em casa durante mais de um ano, evitando receber amigos, refugiado nos livros e na escrita. Aí deu-me um banzo que me levou à solidão, da solidão ao receio de depressão, e depois me apareceu um desânimo que me afastou até dos livros e da escrita. Era uma coisa diferente, que eu nunca tinha sentido na vida, mas que era gostosa: o gosto de não fazer nada e de ficar com uma vontade entre dormir e ficar acordado, mas sem noção de tempo, sem nem querer saber se o tempo passava. Eu passei a vida sempre ocupado, sempre buscando trabalho, acreditando, como dizia Frei Antonio das Chagas, que “Deus pede […] conta do meu tempo”.

Seu contemporâneo, o Padre Vieira reclamava que aqui todos deixavam suas tarefas para os escravos, que tinham para fazer de um tudo, mas louvava a vida simples: “um punhado de farinha e um caranguejo nunca nos pode faltar no Brasil, e, enquanto houver algodão e tujucos, também não nos faltará de que fazer uma roupeta da companhia…”

Procurei saber o que estava sentindo, com medo de ser uma doença grave, era uma coisa que eu nunca tinha sentido. Seria o que se chama preguiça?

E não é que é mesmo preguiça? É preguiça. Eu, que nunca tinha tido isso na minha vida, comecei a gostar, e a minha quarentena me deu não somente solidão, mas preguiça. Dentro de algum tempo um cientista vai descobrir que o medo da Covid tem também o efeito correlato de trazer preguiça.

Agora quero confessar que ela é gostosa: a gente tem pensamentos maravilhosos não pensando em nada. É um vazio associado ao silêncio, também gostoso, e essa mistura aparece com um efeito mágico que faz bem, que é o gosto de não fazer nada. E eu, que recebi de Deus a graça de uma longa vida, só vim saber o que era a preguiça já nesta idade.

Assim, se você quiser saber de uma coisa diferente da vida, descubra a preguiça: é gostosa.

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