Por José
Sarney
A melhor
definição de democracia que conheço é de Lincoln: “regime do povo, pelo
povo e para o povo”. Na Oração Fúnebre aos mortos no
Peloponeso, Péricles fala, pela primeira vez, da necessidade de que um
governo seja constituído pelo povo: “chama-se democracia porque não é um
governo dos poucos, mas dos muitos”. Era a maneira de superar a lei do
mais forte.
No Brasil
a democracia teoricamente se instalou com a República, antagonista da
Monarquia. Mas ela não pôde instaurar o governo do povo, porque o povo não
era republicano, e sim monarquista. Aristides Lobo diz que ele — povo —
assistiu bestificado à proclamação da República.
Tivemos
ao longo da República Velha intervenções militares conhecidas como
“salvacionistas“. Os militares as faziam dizendo proteger as instituições. Por
isso eu considero que a última dessas intervenções tenha sido a de 64. Os
militares diziam que era para salvar a democracia. Castello evitou que 64
virasse uma quartelada. Mas em 1968 Costa e Silva, em meio a uma crise paroxística
com o Congresso, editou o AI-5, rasgando os direitos individuais,
inclusive o habeas corpus.
Fui o
único governador que não se solidarizou com o AI-5; passei telegrama a Costa e
Silva dizendo que não concordava e esperava que logo voltássemos à
normalidade democrática. Por isso fui ameaçado de cassação.
Dez anos
depois, eu era Senador e no Congresso fui o relator da Emenda Constitucional nº
11, que revogou o AI-5. Em 1985, coube a mim presidir a transição democrática,
fazendo eleições todos os anos, acabando com a eleição indireta, dando anistia
aos sindicalistas banidos, legalizando as centrais sindicais, acabando com os
municípios de segurança nacional, revogando toda a legislação autoritária e
convocando a Constituinte. Fiz isso com a diretriz de que a abertura seria
feita com as Forças Armadas, e não contra as Forças Armadas, e que, sendo o seu
Comandante-em-Chefe, cumpria o dever de zelar pelos meus subordinados, não
deixando ocorrer nenhuma revanche. Os ventos da liberdade varreram como nunca o
nosso País.
Os
momentos de ruptura democrática no Brasil ocorreram sempre em meio a crises
institucionais gravíssimas. Agora temos uma Constituição absolutamente
democrática, a mais longeva da história da República. Na coerência de minha
atitude ao longo da vida de democrata, não posso admitir com o meu
silêncio que alguém pense em romper com nosso caminho de liberdade e
democracia. Assim, condenei a atitude de um deputado que voltou a falar do
AI-5, coisa do século passado, de um tempo que já se findou. Hoje o Brasil é
uma sociedade de democracia consolidada e de instituições fortes. Assim,
vejo com grande satisfação a reação nacional quase unânime de repelir qualquer
tentativa de violar a Constituição.
A
democracia veio para sempre, e eu dei a minha contribuição para que assim seja.