O Maranhão mais uma vez é destaque
negativo na mídia nacional em matéria sobre os descaminhos do dinheiro público.
Neste domingo, a manchete de capa do jornal Folha de São Paulo trata do desvio
de R$ 500 milhões do Sistema Único de Saúde, nos últimos cinco anos.
E quem se destaca? O Maranhão. Segundo o jornal paulista, há dois anos
uma auditoria federal descobriu um desvio de R$ 6,9 milhões em verbas do SUS em
Rosário e 27,9 mil atendimentos de glaucoma em Miranda do Norte – número
superior a toda população da cidade.
LEIA A MATÉRIA DA FOLHA
SUS paga 201 consultas no mesmo dia
para paciente
Dados obtidos pela Folha apontam uso
irregular de R$502 milhões em 5 anos
Ministério cobra desvios
identificados em auditorias; 113 casos têm ressarcimento de mais de R$ 1 milhão
NATÁLIA CANCIAN (ENVIADA ESPECIAL AO
MARANHÃO) /ANDRÉ CARAMANTE
(FOLHA) – Em um único
dia, um paciente “conseguiu ser atendido” 201 vezes em uma clínica de Água
Branca, no Piauí. A proeza não parou por aí –o valor das duas centenas de
consultas foi cobrado do SUS. O mesmo local cobrou tratamentos em nome de
mortos.
Casos assim explicam como, em cinco anos, cerca de R$ 502 milhões de
recursos públicos do SUS foram aplicados irregularmente por prefeituras,
governos e instituições públicas e particulares.
Esse meio bilhão, agora cobrado de volta pelo Ministério da Saúde,
refere-se a irregularidades identificadas em 1.339 auditorias feitas de 2008 a
2012 por equipes do Denasus (departamento nacional de auditorias do SUS) e
analisadas uma a uma pela Folha.
Um dos problemas mais frequentes são os desvios na aplicação de recursos
–quando o dinheiro repassado a uma área específica da saúde é aplicado em outro
setor, o que é irregular.
Também há casos de equipamentos doados e não encontrados, cobranças indevidas,
problemas em licitação e prestação de contas, suspeitas de fraudes e
favorecimentos.
Com o valor desviado, por exemplo, poderiam ser construídas 227 novas
UPAs (unidades de pronto atendimento) ou, ainda, 1.228 novas UBS (unidades
básicas de saúde). O orçamento do ministério em 2012 foi de R$ 91,7 bilhões.
Para burlar as contas do SUS, gestores falsificam registros hospitalares
ou inserem em seus cadastros profissionais “invisíveis”.
Em Nossa Senhora dos Remédios, também no Piauí, de 20 profissionais
cadastrados nas equipes do Programa Saúde da Família, 15 nunca haviam dado
expediente.
Em Ibiaçá (RS), remédios do SUS foram cedidos a pacientes de planos de
saúde.
As íntegras desses e de outras centenas de auditorias estão disponíveis
no site do Denasus. Mas, para ter acesso às fiscalizações, a Folha pediu dados
ao governo federal via Lei de Acesso à Informação.
A maior parte dos desvios foi constatada em auditorias cuja principal
responsável pela gestão dos recursos era a prefeitura (73% do valor), seguido
dos Estados (15%). O restante é dividido em clínicas particulares, instituições
beneficentes e farmácias.
Das 1.339 auditorias analisadas pela Folha, 113 têm o ressarcimento
calculado em mais de R$ 1 milhão cada.
Para o Ministério da Saúde, a soma das irregularidades das auditorias
pode ser ainda maior, devido a novos relatórios complementares dos últimos
meses.
Efeitos dos desvios atingem a
população
Irregularidades causam reflexos em
hospitais sucateados do Maranhão, em que pacientes esperam horas por
atendimento
Cidade do interior do Estado
‘atendeu’ em um ano mais pacientes com glaucoma do que sua própria população
Há dois anos, uma auditoria federal descobriu um desvio de R$ 6,9
milhões em verbas do SUS em Rosário (a 70 km de São Luís) no interior
maranhense.
Entre as irregularidades: incompatibilidade entre os serviços prestados
e os recursos repassados pelo Ministério da Saúde, despesas sem comprovação e
unidades de saúde que deveriam ter recebido a verba em condições precárias e
sem equipamentos.
Na última quarta, no único hospital público da cidade, uma fila com
cerca de 20 mulheres grávidas esperava num corredor lotado. A maioria havia
chegado às 6h da manhã, em jejum. Cinco horas depois, porém, não havia previsão
de atendimento.
“E ainda por cima estou sentindo dor”, disse a pescadora Maria Viana,
30, sete meses de gravidez.
O hospital –também chamado de Unidade Mista de Rosário– chegou a ser
interditado judicialmente por problemas na estrutura, segundo o Ministério
Público. O cenário é de abandono, com piso sujo, quartos e laboratórios
completamente vazios.
O centro cirúrgico, que recebia pacientes de outras cidades, também está
fechado.
A técnica de enfermagem Ivanilse Martins, 34, diz ter ficado surpresa
com a presença da reportagem. “Aqui, qualquer coisa mais grave, tem que ir até
São Luís.”
AGENDA APERTADA
Para conseguir um consulta com o oftalmologista no hospital municipal
Pedro Vera Cruz Bezerra, em Miranda do Norte (a 119 km de São Luís), no
Maranhão, é preciso encontrar espaço na agenda do médico –que só atende só
atende duas vezes ao mês.
Essa realidade contrasta com os números encontrados por auditoria local
em 2011.
O levantamento mostrou que em um ano, o hospital chegou a atender 27,9
mil pessoas para tratamento de glaucoma –número superior a toda a população da
cidade. É como se todas as crianças, adultos e idosos do local precisassem de
atendimento para o mesmo problema.
A Folha tentou falar com a secretária da Saúde e com o prefeito da
cidade, mas, segundo funcionários, eles moram em São Luís (a 138 km da cidade)
e só aparecem na cidade duas vezes por semana
OUTRO LADO
Municípios culpam gestões passadas
Marconi Bimba, apontado como um dos responsáveis pelos desvios do SUS em Rosário |
Responsáveis pela aplicação dos recursos da saúde, prefeitos e
secretários de alguns municípios citados pela reportagem negaram
irregularidades e atribuíram problemas a gestões passadas.
“Em dez meses ninguém consegue melhorar o cenário de vários anos”, disse
a atual secretária da Saúde de Rosário, Mauricéa Lopes.
“Até a mesa do parto está enferrujada. Preferimos deixar como está por
ora do que uma mulher morrer por infecção.”
A crítica à “herança maldita” é compartilhada pelo último gestor.
“Quando assumi nem chave do hospital encontrei”, afirma Marconi Bimba (PRP),
prefeito de Rosário de 2009 a 2012 e apontado como um dos responsáveis por
impropriedades na gestão de R$ 6,9 milhões do SUS na cidade.
Ele reconhece, porém, casos de irregularidade. “Mas não tem dolo, tem
desconhecimento burocrático das regras do Ministério da Saúde.”
Investigado sob suspeita de desvio de recursos e relação com agiotas,
ele nega e diz que a cidade se divide em brigas políticas. “Por mais que
quisesse desviar dinheiro, roubar tudo da saúde, não tinha como roubar tantos
milhões.”
Em Ibiaçá (RS), o problema é atribuído ao ex-prefeito João Rudemar da
Costa (PDT). A Folha não o localizou. A Prefeitura de Água Branca (PI) disse
que as suspeitas atingem antigas administrações.
A reportagem não conseguiu contato com a Prefeitura de Nossa Senhora dos
Remédios (PI) e Acará (PA).
MINISTÉRIO
O secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da
Saúde, Luiz Monteiro, diz que a pasta investe em auditorias preventivas para
“evitar o desperdício” dos recursos do SUS.
Segundo ele, houve 5.405 auditorias de 2008 a 2012. Dessas, 1.339 (25%
do total) tiveram pedidos de ressarcimento por problemas na gestão dos
recursos, segundo dados obtidos pela Folha.
“Nosso universo auditado é muito superior [aos casos com problemas]“,
diz.
Do total de recursos cobrados, ao menos R$ 194 milhões já foram
restituídos, diz. O restante espera relatórios ou é questionado na Justiça.
Segundo ele, problemas como descumprimento de regras técnicas podem ser corrigidos
em acordos.
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