A onda de comentários ofensivos contra
os nordestinos que se alastrou nas redes sociais logo após o resultado das
eleições revela que o país não está dividido somente pela opção política, mas
também por um preconceito latente, pronto para explodir diante da primeira
oportunidade.
O que surpreende é que as redes
sociais, embora sejam frequentadas por pessoas de todas as idades, são o espaço
privilegiado dos jovens. Como então sonhar com mudanças, se uma parte
importante da juventude, em vez de ousar e ir contra a corrente, apresenta a
mais conservadora e grosseira das atitudes?
De onde vem tal preconceito, a estas
alturas? Os caminhos que explicam são muitos e um deles passa pela educação
recebida, tanto em casa como na escola.
Muitas vezes, até sem perceber, os
pais podem ensinar atitudes preconceituosas às crianças menores. Quando, por
exemplo, se referem a alguém pejorativamente como “aquele paraíba”, “o cabeça
chata”, “o ceará”. Somados a outros adjetivos e comparações que a família possa
empregar no cotidiano (“todo baiano é preguiçoso”, “o ebola só podia vir da
África”, “só não gosto de argentinos”) e pronto, está fértil o terreno para
criar uma cabecinha preconceituosa e xenófoba, presa aos estereótipos do século
passado.
Mais tarde, na escola, o estudante
pode acabar reforçando visões discriminatórias, como por exemplo com as
mensagens (mesmo implícitas) dos livros didáticos. Neles, o Nordeste é quase
sempre retratado como lugar pobre e de privações, onde se sofre pela seca.
Pouca diferença se faz entre um estado e outro, como se o Nordeste fosse um
amálgama sem identidades, definido só pelos mapas. O nordestino é descrito, até
nas ilustrações, como migrante e retirante.
Em muitos livros didáticos vi uma
imagem similar: o personagem maltrapilho desenhado sob um sol escaldante, a
terra cheia de sulcos e aridez, ele com uma trouxinha, acompanhado de uma
mulher grávida com outra criança no colo, e uma legenda explicando que
“nordestinos partem em busca de melhor destino”.
Um certo livro escolar dá como título
ao capítulo que fala do Nordeste “Penando na terra”, com imagens de seca e
sertão. Enquanto isso, ao apresentar o Sudeste, o capítulo seguinte traz fotos
de cenas urbanas, contextos industriais e desenvolvimento.
Esse discurso reforça uma suposta
condição de inferioridade daquele que nasce numa “região-problema”, “afligida”
por um fenômeno climático. Sugere passividade das populações e vitimização
irremediável.
Nas festas juninas, que são das poucas
ocasiões em que a cultura nordestina é trazida para o interior das escolas das
demais regiões, as crianças são fantasiadas de um modo que ridiculariza o homem
do campo. O “caipira” é caracterizado com a roupa remendada, sem combinar as
cores, e lhe faltam dentes, ou dança com as pernas tortas. É a cultura urbana
debochando da cultura rural.
Pouco se fala, no currículo escolar,
da riqueza e da heterogeneidade da cultura nordestina, com sua música, danças,
culinária, arte, manifestações religiosas, as belas festas populares, os grandes
nomes da literatura, da política, da dramaturgia, da indústria, da educação, e
da tantas outras esferas.
Qual seria o motivo de tanta
agressividade nos comentários registrados contra os nordestinos? Talvez – é
apenas uma hipótese – o fato de que nesta eleição, os “pequenos” e condenados
ao esquecimento hajam tido um papel protagonista, o que colocou em xeque uma
noção de hierarquia regional cristalizada por longas gerações.
Cabe a nós, pais e educadores, criar
oportunidades para educar numa lógica diferente. Afastar os velhos paradigmas
que rotulam regiões e seus habitantes. Estimular um modelo mental que combine
mais com o mundo de hoje, das redes e interconexões, em que as pessoas precisam
trabalhar em grupos multidisciplinares, aprender com as diferenças e interagir
o tempo todo com empatia e respeito.
* Andrea Amaral é colunista do G1 e
doutora em Educação pela PUC-RJ
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