(Bloomberg)
-- “Onde está Patrick?”.
Jacquita
Gonzales podia ouvir a urgência na voz do interlocutor ao perguntar sobre seu
marido há 29 anos. Patrick Gomes era supervisor de bordo da Malaysia Airlines e
um de seus aviões havia desaparecido. Era sábado, 8 de março de 2014.
Quase
um ano depois, esta é uma pergunta sem respostas sólidas para a mulher de 52
anos ou para qualquer outra pessoa. Nada do voo 370 foi recuperado em 352 dias
e o jato comercial pode se tornar o primeiro da história a ter sido perdido sem
deixar vestígio. Sem os destroços do avião ou qualquer informação do que aconteceu,
os familiares, desesperados, estão tendo dificuldades para colocar um ponto
final no assunto.
“Há
enormes buracos, enormes lacunas nas nossas vidas”, disse Gonzales, uma
professora de creche em Kuala Lumpur.
Irritados
com o processo de busca como um todo e com a falta de informações novas, os
familiares formaram grupos de autoajuda nas redes sociais e também se reúnem em
Subang Jaya, nos arredores de Kuala Lumpur, para conversar pessoalmente. Eles
gritam, choram e debatem as muitas teorias conspiratórias em torno do MH370 --
o jato voou para o Afeganistão; foi abatido na China; pegou fogo. Mas
principalmente, eles se consolam.
Sarah
Bajc, uma professora americana de 49 anos, usa seu conhecimento de mandarim para
reunir parentes malaios e chineses daqueles que morreram. Ela também
estabeleceu uma investigação independente a respeito da desaparição do avião
com financiamento coletivo.
Ela
ainda está morando no apartamento de Kuala Lumpur que escolheu com Philip Wood,
um executivo da International Business Machines Corp., a IBM, de 51 anos, do
Texas. Ele estava no MH370 para embalar as coisas em sua casa em Pequim antes
de mudar-se para a Malásia.
Morte
presumida
“Eu
nunca passei por aconselhamento formal, mas mantive os pés no chão com a ajuda
de uma família forte e de amigos íntimos queridos”, disse Bajc. “Eu passo todos
os dias me concentrando naquilo que posso controlar. Eles têm tratado a
investigação como uma piada, têm sido insensíveis e maliciosos no tratamento
dado às famílias. O mundo não deveria aceitar esse comportamento incompetente,
irresponsável e egoísta”.
Após
327 dias de buscas pelo avião, em 29 de janeiro o departamento de aviação civil
da Malásia finalmente declarou o voo 370 um acidente e as mortes presumidas de
todos os que estavam a bordo. A decisão foi tomada para ajudar as famílias a
conseguirem assistência, incluindo indenização. O governo da Malásia privatizou
a empresa aérea, planeja realizar demissões e nomeou um novo diretor-executivo
para reestruturar a companhia.
“Temos
nos empenhado e seguido cada pista verossímil e analisado todos os dados
disponíveis”, disse Azharuddin Abdul Rahman, diretor-geral do departamento, em
um comunicado no dia 29 de janeiro. A informação “apoia a conclusão de que o
MH370 terminou seu voo na parte sul do Oceano Índico”.
Desaparecimento
sem vestígios
Mesmo
depois de uma busca multinacional por 4,6 milhões de quilômetros quadrados do
Oceano Índico, ou cerca de 1 por cento da superfície da Terra, o mundo está
pouco mais próximo de descobrir o que realmente aconteceu com o voo 370 e as
239 pessoas que estavam a bordo. Os investigadores ainda tentam entender como
uma das aeronaves mais sofisticadas da aviação moderna simplesmente desapareceu
sem deixar nenhum vestígio.
“Isto
é, realmente, de uma escala inédita. Não consigo me lembrar de uma busca tão
difícil como essa”, disse Ken Mathews, ex-investigador de acidentes aéreos que
trabalhou para o Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA e
também para seus pares do Reino Unido e da Nova Zelândia, por telefone, de
Cairns, Austrália. “Sem nada específico para continuar é muito difícil”.
O
voo 370 da Malaysian Airline System Bhd., com 227 passageiros e 12 tripulantes
a bordo, desapareceu enquanto realizava um voo comercial de rotina de Kuala
Lumpur a Pequim. O avião foi deliberadamente desviado da rota, disse o
primeiro-ministro malaio, Najib Razak.
Nenhum
corpo
Barcos
munidos com sonares capazes de avistar objetos do tamanho de uma caixa de
sapatos não encontraram nenhum item fabricado pelo homem em 22.000 quilômetros
quadrados de leito oceânico coberto de lodo -- nenhum assento, colete
salva-vidas ou qualquer objeto que normalmente flutue se um avião cai no mar
--. A fase atual de investigação deverá ser concluída em maio, quando os
escâneres dos sonares terão examinado uma área de cerca de 60.000 quilômetros
quadrados.
O
fato de as buscas não encontrarem nenhum corpo apenas aumenta a dor daqueles
que estão de luto.
Querer
ver os restos mortais é importante para convencer a mente e conseguir encerrar
o assunto, segundo Wallace Chan Chi-ho, um especialista em luto e professor
assistente da Universidade Chinesa de Hong Kong. Esse comportamento é comum
entre pessoas que perderam entes queridos em desastres, como os ataques de 11
de setembro de 2001 nos EUA, disse ele.
“É
difícil compreender o sentimento de perda, especialmente quando os cadáveres
não podem ser encontrados. Ver os corpos sem vida é parte do processo de luto”,
disse ele por e-mail. “Pessoas de luto podem muitas vezes se reunir, pois elas
podem encontrar uma compreensão mútua. De alguma forma, é difícil para as
outras pessoas entendê-las”.
Irritação
dos familiares
A
decisão do governo da Malásia de declarar mortas as pessoas que estavam a bordo
só irritou os familiares.
Os
parentes dos passageiros chineses, que somavam 153 a bordo, viajaram a Kuala
Lumpur para tentar se reunir com as autoridades malaias, segundo a página no
Facebook da MH370 Families, uma organização sem fins lucrativos. Não deem a
eles uma “sentença de morte” sem uma forte evidência, diz uma postagem de 13 de
fevereiro.
“Por
enquanto, eu não posso aceitar um resultado assim, com poucas evidências
entregues a nós”, disse Bai Jie, 23, cuja mãe estava a bordo do voo
desaparecido, por telefone, de Pequim, em 29 de janeiro. “Eles anunciaram
rapidamente o resultado sem uma comunicação suficiente com os familiares”,
disse ela.
Nos
62 anos desde que um voo De Havilland Comet de Londres a Joanesburgo deu o
pontapé inicial na indústria moderna de aviação de passageiros, nenhum jato
comercial programado jamais desapareceu sem deixar vestígio.
Os
investigadores monitoraram a aeronave até um trecho remoto ao sul do Oceano
Índico com base em uma série de conexões fracassadas entre o avião e um
satélite Inmarsat Plc, depois que ele voou na direção sul antes de seu
combustível acabar, a cerca de 2.500 quilômetros a sudoeste de Perth,
Austrália.
“As
pessoas dizem que é melhor assim, mas não muda nada para mim se não há
respostas”, disse Grace Subathirai Nathan, 27, cuja mãe, Anne Catherine Daisy,
uma executiva da Axa Affin General Insurance, desapareceu no voo malaio.
“O
que eu senti no dia 8 de março eu ainda sinto hoje”, disse ela. “Eu tento
continuar com a minha vida, mas eu não consegui superar isso. Às vezes eu me
pego chorando indo para o trabalho ou na volta”.
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