O trabalho simultâneo é fundamental para encontrar
soluções mais rapidamente - estratégias de controle do surto, baseadas em dados
do comportamento do vírus, testes de diagnóstico, tratamentos e até uma vacina.
Assim, o Brasil já começa a ajudar na montagem do quebra-cabeças da epidemia -
o que envolve gente do mundo todo.
Especialistas brasileiros e representantes dos dois
ministérios compartilharão dados na Rede Vírus MCTIC, criada oficialmente na
semana passada, que mira a doença vinda da China e a influenza (gripe comum) e
outras viroses emergentes. Os objetivos são integrar pesquisas e definir
prioridades. Foi feita uma
teleconferência no meio da semana com cientistas de EUA, Canadá, Índia,
Austrália e Reino Unido. Vão participar da rede a Academia Brasileira de
Ciências, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Sociedade Brasileira de Virologia e universidades
federais.
O sequenciamento em só dois dias do genoma do
coronavírus exemplifica o potencial das parcerias. O trabalho de desvendar cepas
(subtipos) desse vírus tem sido feito por vários países e levado, em média, 15
dias. A rapidez brasileira - do Adolfo Lutz, da Faculdade de Medicina da USP e da
Universidade de Oxford (Reino Unido) - foi possível porque já existe há um ano
um projeto, o Cadde, criado para desenvolver novas técnicas - rápidas e baratas
- para monitorar epidemias em tempo real. Foi um desdobramento da Rede Zika -
criada em outro surto, que fez subir os casos de microcefalia no País em 2016.
Originalmente, o Cadde se concentrou em
arboviroses, como dengue e zika. Da febre amarela, que voltou com força em
2018, já foram sequenciadas quase mil amostras. "Trabalhamos agora na
análise desses dados. Mas não queríamos trazer dados só depois da epidemia. A
ideia é poder entendê-la enquanto acontece para dar respostas. Com esse
coronavírus, teremos a primeira chance de fazer isso", Em outro estudo
recente, a Fiocruz, com as universidades de Milão (Itália) e da Flórida (EUA),
investigou as dinâmicas e vestígios do início e dispersão do novo surto. Com
ferramentas de bioinformática, a análise de 29 sequências genéticas reforça que
a origem foi mesmo em Wuhan, na China, mas indica que o ponto de partida
pode ser novembro - e não dezembro, como se imaginava.
Já o infectologista Esper Kallas, da Faculdade de
Medicina da USP, lidera a comissão de crise do Hospital das Clínicas, que há um
mês planeja como enfrentar o novo vírus. O esforço se divide em três frentes:
criar protocolos de atendimento a pacientes, estudar a disseminação do vírus em
ambiente hospitalar e contato com laboratórios estrangeiros para usar remédios
já empregados para outros fins que possam ter novo uso.
Embora o vírus que causa a Covid-19 seja novo,
coronavírus humanos são comuns no Brasil. De sete tipos mapeados, é o quinto a
surgir aqui. As duas variações mais perigosas, que saltaram de animais para
humanos, não chegaram: a da síndrome respiratória aguda grave (Sars), que matou
mais de 800 pessoas em 2002 e 2003, e a da do Oriente Médio (Mers), com 858
óbitos desde 2014.
O alto número de variedades não significa que o
Brasil seja “propício” para a disseminação do vírus. O que importa não é o
clima, mas a presença ou não de hospedeiros suscetíveis. Entre as hipóteses
para a origem do novo vírus, estão morcegos e serpentes.
Estrutura
Entre os desafios, porém, está a restrição de verba
que atinge a ciência brasileira atualmente. O Brasil não tem laboratório nível
4 de biossegurança para pesquisa com vírus que requerem essa classificação.
Para o novo coronavírus, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) pede estrutura nível 3 para experimentos com animais, o
que é preciso para pesquisar vacinas. Há laboratórios desse nível, como na
Fiocruz e na Universidade Federal do Rio
(UFRJ). A vantagem de trabalhar em rede é que diferentes laboratórios
podem dividir as tarefas.
Sobre a Rede Vírus, o Ministério da Ciência disse
que a demanda de verba ainda será avaliada segundo as prioridades.
Bancos de dados online são
aliados contra doença
Reuniões entre cientistas, compartilhamento de
informações em bancos de dados online e agilidade na publicação de pesquisas
são estratégias que têm sido usadas no mundo todo para que a comunidade
científica consiga dar respostas à altura do desafio imposto pelo surto
atual.
As primeiras análises, anunciadas em 9 de janeiro pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) e autoridades chinesas, apontavam que casos
de pneumonia registrados na China desde dezembro eram causados por um novo
coronavírus. Após dois dias, a base americana GenBank, banco de dados de
sequência genéticas, publicou a primeira sequência genômica do coronavírus. No
dia 22, um artigo na Journal of Medical Virology trouxe análises do
genoma.
Segundo a revista Nature, mais de 50
pesquisas foram publicadas só em janeiro. Pesquisadores brasileiros dizem que
agora o número já passa de 80.
O trabalho cooperativo é estimulado pela OMS, que,
há duas semanas, organizou uma reunião em Genebra entre cientistas de
diferentes áreas do conhecimento e vários países. O objetivo era,
principalmente, identificar o que já se sabe e o que ainda falta conhecer sobre
a epidemia. Estiveram presentes mais de 300 cientistas - alguns participaram de
forma remota.
Paralelamente, uma rede global, a Glopid-R, reúne
órgãos financiadores que investem em pesquisas sobre doenças infecciosas. A
rede também apoia o compartilhamento de dados sobre o coronavírus.
Os Estados Unidos abriram semana
passada uma linha de financiamento de urgência, de R$ 2,6 milhões, para
pesquisas sobre o novo coronavírus.
Por Dr. Otávio Pinho Filho