Há um mês no Brasil vindo da Guiné, o biólogo Abdoulaye
Telly Diallo, de 26 anos, passou a enfrentar nos últimos dias ofensas e olhares
de desaprovação nas ruas de Cascavel. Desde que seu compatriota Souleymane Bah,
de 47 anos, foi isolado com a suspeita de Ebola, os imigrantes africanos e
haitianos que vivem na cidade paranaense passaram a ser hostilizados.
"A gente vai a
uma lanchonete, senta em uma mesa, as pessoas mudam de lugar para ficar longe.
Estamos passando na rua e sempre tem alguém que diz 'vão embora daqui, parem de
trazer doença para o meu País'." Diallo diz ter tido um emprego negado na
sexta-feira, 10, em uma empresa frigorífica da cidade ao informar que vinha da
Guiné. "A gente está na expectativa de que saia o resultado do segundo
teste do Bah, para que possamos ter oportunidades aqui."
Também vindo da
Guiné, o vendedor Laye Bangaly Camara, de 27 anos, diz que não esperava sofrer
preconceito no Brasil. "Os brasileiros têm de saber que nós passamos por
vários controles sanitários antes de sair da Guiné. Só conseguimos o visto se
fizermos exames médicos. Respondemos a questionários nos aeroportos pelos quais
passamos. Não é justo pensarem que todos que vêm da África trazem o
Ebola."
Diallo e Camara fazem
parte de um grupo de 11 imigrantes da Guiné que estão morando no Albergue André
Luiz, mesmo local onde ficou hospedado Bah. Eles, assim como outras pessoas que
podem ter tido contato com o paciente, estão tendo a febre monitorada
diariamente.
O centro de acolhida
só funciona à noite. Durante o dia, enquanto não obtêm a documentação e vaga de
trabalho, os imigrantes ficam na rua. Eles têm se deslocado pouco para evitar
hostilidades. "Hoje mesmo estávamos sentados na calçada na frente de um
estacionamento, conversando, e nos expulsaram", conta Camara.
Até no albergue, que
atende estrangeiros e brasileiros, houve conflito. "Um dos brasileiros
começou a gritar com eles, dizer que eles só vinham para o Brasil para trazer
doença. Tive de interceder. Esse tipo de discriminação não pode acontecer",
diz a assistente social Kátia Pietsch, de 26 anos.
Discriminação
Mesmo imigrantes de
outros países africanos e até do Haiti, que nunca tiveram nem sequer um caso
suspeito de Ebola, estão sendo hostilizados. "Na sexta-feira, eu ia para o
trabalho e começaram a nos apontar na rua dizendo: 'Olha os caras com
Ebola'", diz Abdoul Bonsara, de 24 anos, que é de Burkina Faso e há sete
meses mora em Cascavel e trabalha como mecânico.
Ele e três
compatriotas que dividem uma casa afirmam que a discriminação atesta a falta de
conhecimento. "Os brasileiros não sabem que Burkina Faso é longe dos
países que têm Ebola. Acham que é tudo a mesma coisa porque somos negros",
diz Sitta Compaore, de 25 anos.
A mesma opinião tem o
tapeceiro Joe Revens, de 33 anos, presidente da Associação de Haitianos em
Cascavel. "O Haiti nem está na África e ouço de compatriotas que as
pessoas estão evitando ficar próximas deles. É comum ter um assento livre no
ônibus ao lado de um haitiano."
Assim como outras
cidades do Sul, Cascavel atrai imigrantes por dois motivos: o trabalho em
frigoríficos e na construção civil e a rapidez na emissão de documentos.
Segundo Revens, há 1.200 haitianos na cidade de 309 mil habitantes.
Moradores de Cascavel
negam se tratar de discriminação, mas relatam ter receio. "Trabalho com
frete e já recusei quatro mudanças para haitianos. Mesmo que não tenha Ebola no
Haiti, a gente fica com medo porque eles andam todos juntos", diz o
motorista João Borges, de 59 anos. Para alguns moradores, o controle na entrada
de imigrantes de países com o surto da doença deveria ser rígido. "Acho
que os controles são necessários para evitar uma epidemia", diz Osmar
Muller, de 54.
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