Por Yglesio Moyses – deputado estadual, médico e advogado
A política e as traições sempre caminharam juntas. A tentativa de assassinato de Hitler durante a Operação Valquíria, em 1944, é um exemplo emblemático de uma conspiração de supostos aliados que, mesmo fracassada, abalou o regime nazista. Recentemente, a eleição para a presidência da Assembleia Legislativa do Maranhão revelou paralelos com esse evento histórico, ainda que inserida em um momento diverso.
Destarte, é imperativo consignar que a disputa na Assembleia não se limitava à presidência da Casa. Representava uma batalha mais ampla pelo controle da agenda política do estado, pelo futuro do espólio político do grupo liderado pelo ex-governador e atual ministro do STF, Flávio Dino, e pela consolidação do atual governador, Carlos Brandão, como figura central do cenário maranhense.
De um lado, Iracema Vale, candidata de Brandão. Do outro, Othelino Neto, respaldado por uma coalizão que incluía Flávio Dino, o ministro das Comunicações Juscelino Filho, a senadora Eliziane Gama, o vice-governador Felipe Camarão e deputados federais com influência significativa no interior do estado.
A eleição, para a imprensa e a maioria da classe política, estava definida para Iracema. Placares elásticos eram esperados. Para além disso, apenas se o impensável e o imponderável se encontrassem… e se encontraram em meio à urna física, no voto secreto.
Iniciaram a apuração: três votos na sequência para Othelino. Pensou-se coletivamente entre os aliados de Iracema: “sorte do ex-presidente, todos os seus votos saíram na sequência”. Já na cabeça do experiente político, a conta estava fechada e a vitória era certa, tão certa que levou familiares e preparou uma festa para a conquista que, em sua mente, já estava desenhada. Os números, entretanto, não bateram. O desafiante foi traído por quatro de seus deputados no primeiro turno (contava 25). Mesmo diante do emocionante empate, que há décadas não era registrado, Othelino manteve-se confiante, na certeza de que seus votos voltariam no segundo turno. Não voltaram.
Do outro lado, o grupo da deputada Iracema Vale foi surpreendido pela articulação sub-reptícia de vários “aliados”; inclusive, suspeita-se fortemente que alguns de seus principais líderes tenham-se vendido para o grupo de Dino e Othelino, com promessas de paga e proteção judiciária. No fim, Iracema conseguiu buscar 21 votos, e o segundo turno de votação virou realidade. Ainda assim, o empate com sabor inicial de derrota deixou todos atônitos do lado de cá.
No intervalo, enquanto era preparado o material para o segundo escrutínio, reuniram-se na presidência, mesmo com apenas 21 votos contados na urna, estranhamente, 33 deputados “iracemistas”. A pergunta que ecoava no ar naquele momento, de maneira tensa e magnética, era: em quem confiar? Alguns traidores eram denunciáveis por seus interesses particulares, ligações políticas ou até mesmo pela linguagem corporal. Até hoje, no dia desta publicação, há a certeza de 17 nomes de traidores; porém, a totalidade nunca será conhecida ao certo. Quanto a Othelino, este tem a certeza de apenas um dos seus quatro desertores.
É de conhecimento geral que os dois turnos da eleição terminaram empatados, com 21 votos para cada lado. A vitória de Iracema Vale foi assegurada pelo regimento interno da Assembleia, que determina, como critério de desempate, a escolha do candidato mais velho, decisão validada inclusive por Othelino durante a sessão e após esta. No entanto, num surto de inconformismo tardio, estimulado pelos deputados Carlos Lula e Rodrigo Lago, Othelino prometeu judicializar o resultado no STF, defendendo a aplicação por simetria da norma do regimento da Câmara dos Deputados, que privilegia o candidato com mais mandatos. Mesmo com chances de sucesso reduzidas, já que o regimento do Senado Federal garante a vaga ao candidato mais idoso (artigo 14, parágrafo único), não se pode menosprezar o fato de que a presença de Dino no STF adiciona um elemento de incerteza ao cenário.
Além da disputa pela presidência, o grupo articulado por Othelino tinha um objetivo ainda mais ambicioso: criar as condições políticas para um impeachment de Brandão. A ideia era consolidar o controle da Assembleia, usando a influência de Flávio no Judiciário e na Polícia Federal para gerar um fato político que justificasse o afastamento do governador. Mesmo sem garantia de sucesso, essas ações preparatórias representavam uma ameaça concreta ao governo e buscavam, no mínimo, enfraquecê-lo. Com isso, o grupo esperava pressionar Brandão a redistribuir espaços de poder e a rever compromissos, como a sucessão de Felipe Camarão ao governo estadual.
Na Alemanha, mesmo sem o assassinato de Hitler, a conspiração abalou o regime, mostrando suas fragilidades. No Maranhão, mesmo que Othelino não reverta a eleição, o movimento articulado por ele já conseguiu fazer Brandão começar a revisar sua estratégia e a refletir sobre a relação com parlamentares, já que agora enfrenta um cenário político mais adverso do que outrora considerava. É preciso dar à Assembleia Legislativa um tamanho maior do que o dado hoje.
Outra lembrança que vem à memória remete à trama de O Poderoso Chefão. No primeiro filme, Michael Corleone consolidou seu poder eliminando chefes de famílias rivais em um ataque coordenado. No ambiente da política, Brandão está diante de um dilema estratégico: cederá às pressões dos adversários, enfraquecendo sua liderança? Ou enfrentará os opositores mais ameaçadores, correndo o risco de ampliar o número de adversários declarados? Ambas as escolhas trarão feridas. A primeira pode levá-lo a se tornar refém de aliados insatisfeitos; a segunda, a enfrentar uma oposição ainda mais consolidada. Para ele, o desafio está em como manter sua posição de liderança sem comprometer sua capacidade de articulação política.
No Maranhão, como na Alemanha de 1944 ou na Nova York de Corleone, os líderes que não conseguem reagir rapidamente aos desafios acabam sendo engolidos. Brandão deve escutar mais Zé Reinaldo e menos Rubão e Madeira. O penúltimo tem um filho deputado dinista por convicção; já o último tem Flávio Dino como padrinho de casamento. Não é possível considerar que estes sejam os melhores conselheiros políticos possíveis no momento para o governador.
Quem avisa do golpe e não silencia, amigo é.