domingo, 14 de março de 2021

COLUNA DO DR. ERIVELTON LAGO

 

BACABAL, AS QUATRO ESTAÇÕES E O CINEMA

Em 1967, minha mãe foi morar no povoado de Bacuri, vivemos nesse lugar entre os meus 07 e 10 anos de idade.  O Bacuri era um povoado da cidade de Bacabal, moravam lá cerca de 20 famílias. Nessa época a meninada e os adultos iam pescar no Igarapé Piratininga que cortava duas propriedades-povoado, uma delas pertencia ao seu COLÓ, pai de Antonio Magalhães, um amigo meu residente hoje na cidade de Pedreiras-MA, e a outra propriedade pertencia a outro homem de nome Valério, ambos eram negros que nós meninos considerávamos homens ricos, pois eles eram os proprietários daquelas terras. Esses povoados eram denominados Mundego do COLÓ e Mundego do VALÉRIO.  Caminhávamos cerca de uma légua e meia para chegarmos naquele lugarejo banhado por esse igarapé muito rico em peixes, tais como: niquin, traíra, jeju, mandir, curimatá, branquinha, bodó, surubim, piranha, cará, piau, piaba olho de fogo, joão duro e cachimbo. O tambaqui não existia nas nossas águas. A pescaria acontecia entre o final do outono e se estendia até meados da primavera, ou seja, entre julho e novembro, quando as águas estavam baixando, conforme, também, a força das chuvas de verão que se estendiam até o final do outono. As festas juninas, no Bacuri, eram na estação do inverno. O inverno brasileiro começa em 20 de junho, o dia de São João é 24 desse mês. O Inácio, filho do seu Félix, fazia o “boi de brincar” usando um cofo de palha de palmeira de babaçu e pintávamos o boi com urucu. Os chifres eram feitos com uma forquilha retirada de um pé de goiaba qualquer. A saia do boi era feita de retalhos de pano velho. Os tambores eram cobertos com couro de camaleão, gato maracajá e cobra jiboia. Nessa época a lei ambiental nº 6.938, não existia, pois ela é de agosto de 1981, nossos bois eram feitos entre o final do outono e o início do inverno dos anos 60. No dia 30 de setembro, já na primavera, seu Pivó, o pai de santo do povoado, amanhecia atuado, ou seja, com espírito. Todo mundo corria para lá a partir das 4 da manhã. Quando o espírito baixava no seu PIVÓ, era festa e muita comida de graça. Todo mundo podia dançar no terreiro. O seu Pivó tinha tanta galinha no quintal que parecia a empresa Pena Branca. As filhas de Santo e outras mulheres da vizinhança matavam dezenas de galinhas para os visitantes comerem. Nós meninos e os cachorros da comunidade agradecíamos a Deus e a São Lázaro, por aquele dia de primavera e fartura, com a licença do orixá Xangô, dono da festa. Esse orixá costuma castigar os mentirosos, os ladrões e malfeitores. Seu símbolo principal é o machado de dois gumes e a balança, símbolo da justiça. No terreiro ficava um machado pendurado na parede. Ninguém tocava nele, senão sangrava até morrer. O verão brasileiro sucede a primavera e antecede o outono. O seu calor resulta em uma evaporação mais rápida da água acumulada nos solos, resultando em chuvas constantes. Lá no Bacuri, o verão trazia uma grande festa na casa de dona Áurea quando era comemorado o dia de Iemanjá, 2 de fevereiro. Iemanjá, também conhecida como "Rainha do Mar", é um orixá africano feminino e faz parte da religião do candomblé. Na sequência, logo ali perto, no Povoado de Dão Pedro, acontecia a festa dançante com a Banda do saxofonista “BIBIL BALAIADA”, o melhor da época contratado na cidade. Depois vinha o carnaval que era realizado na casa do seu Jaqueira, pois seu filho, Zé Maria, tinha uma sanfona, o único instrumento musical de respeito da região. A figura humana de destaque dessas três festas era o negro CASCORÉ, irmão do advogado criminalista bacabalense, BENTO VIEIRA. Cascoré era uma atração à parte porque se trajava como homem da cidade. Era bonito, na nossa visão de menino, e se vestia impecavelmente: calça branca de linho, camisa azul de seda e sapatos Vulcabrás marrons. Fotógrafo, ele carregava uma máquina fotográfica “NYKON”, grande e bonita. Como dizem os jovens de hoje, Cascoré era o mídia da época, naqueles povoados. O meu colega Badu, o mais entendido de todos nós, dizia que Cascoré era um cinema. Depois, quando eu mudei para a cidade de Bacabal, no início dos anos 70, descobri que cinema era outra coisa. Mas, tudo bem, para nós, Cascoré era um CINEMA.

Um comentário:

  1. Mas que beleza de texto.muito aconchegante pois remete nossa alma ao regional tão verdadeiro e místico. Adorei!

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