quinta-feira, 26 de outubro de 2023

PONTO DE VISTA - ACABARAM AS ILUSÕES:TA TUDO DOMINADO - POR JORGE ALEXANDRE ALVES



ACABARAM AS ILUSÕES: TÁ TUDO DOMINADO!!!

Por Jorge Alexandre Alves*

Se ainda havia alguém que romatizava, defendia ou acreditava que as milícias eram um mal menor - como defendiam políticos no passado - os episódios criminosos ocorridos na tarde/noite de segunda-feira com o transporte público no extremo oeste da cidade do Rio do Janeiro deveriam dissipar toda e qualquer dúvida a respeito do que são estas formas tupiniquins de máfia.

Conforme o relato das autoridades estaduais, uma operação da Polícia Civil prendeu o sobrinho e vice-líder do maior dos grupos de milícias dos subúrbios da Zona Oeste, após intensos tiroteios. Em circunstâncias não explicadas, o criminoso veio a falecer em seguida.

Como represália, milicianos incendiaram dezenas ônibus convencionais, sem contar veículos do BRT e uma composição feroviária que se dirigia a Santa Cruz, uns dos bairros mais distantes  do centro da cidade. O efeito foi catastrófico para povo trabalhador que vive nesta região periférica do Rio de Janeiro.

O sistema de transporte público entrou em colapso na Zona Oeste, a população está aterrorizada e o governo estadual parece impotente diante do caos generalizado na segurança pública. Mais uma vez as vítimas são os mais pobres e os moradores das áreas mais degradadas da cidade.

Trocando em miúdos, a prisão seguida de morte de um líder miliciano por policiais civis desencadeou a maior afronta ao poder constituído da história fluminense. Em uma tarde ensolarada de segunda-feira, criminosos afrontaram de tal maneira o Estado de Direito, cerceando direitos básicos de mais de  40% da população carioca em uma área equivalente a 60% da capital fluminense. 

Estamos falando da segunda maior cidade fluminense, a terceira maior cidade da América Latina. O poder de impacto deste grupo miliciano é de outra magnitude.

Além do colapso no transporte público, aulas foram suspensas, unidades básicas de saúde foram fechadas e, à noite, a internet foi propositadamente cortada em alguns bairros e condomínios para que moradores não pudessem se comunicar. 

Ao mesmo tempo que a Zona Oeste pegava fogo, passou quase desapercebido uma reação popular a uma operação o BOPE (PM) em uma favela no Largo do Tanque, em Jacarepaguá. Três pessoas mortas. Uma delas, sem envolvimento com o tráfico, morreu trabalhando. 

Parentes e amigos tentaram fechar a via principal a região, incendiando pneus. Rapidamente foram desbaratados pela polícia militar e a via foi liberada. Porque coisa semelhante não aconteceu quando incendiavam os ônibus em outras áreas a Zona Oeste?

Diante de tais fatos, como entender o significado disso tudo? Como analisar o papel de governantes e da imprensa diante de cenário de morte? Quais as consequências políticas e os efeitos imediatos na vida das pessoas, sobretudo daqueles diretamente atingidos?

Cláudio Castro não governa o estado. Basta olharmos a caótica situação das escolas estaduais e dos estragos causados na vida dos filhos e filhas da classe trabalhadora. Incapaz de valorizar profissionais da educação trata docentes com desconfiança e usa de forma discutível recursos públicos da área. A saude é outra tragédia cotidiana.

O governador é uma figura politicamente inexpressiva. Uma marionete nas mãos de grupos que, no mínimo, operam naquela zona cinzenta que mistura legalidade burocrática e suspeições de atividades ilícitas. Sua reeleição não expressou a consolidação de sua liderança política, mas sim a continuidade de um mero preposto a serviço de interesses outros. 

Em matéria de segurança pública, Castro se resume a discursos vazios e tibieza nas decisões. Do ponto de vista prático, praticamente manteve a estrutura de seu antecessor, Wilson Witzel. 

Em outras palavras, manteve-se a lógica do "atirar na cabecinha", sem que essa política de morte reduzisse a criminalidade e trouxesse maior sensação de segurança para a população, principalmente para os mais empobrecidos. Tampouco foi modificado o perfil racial, etário e social das vítimas.

Em relação à segurança pública, as imagens estarrecedoras de hoje são reveladoras da incapacidade do governo estadual neste campo. O governador sequer conseguiu emplacar seu escolhido para a chefia da Polícia Civil. Com apenas três semanas no cargo, foi obrigado a subsituir seu escolhido por exigência de deputados estaduais de sua base política. 

Além disso, as lideranças políticas do grupo de Castro historicamente sempre foram, no mínimo, simpáticas às milícias. Estas penetraram nas estruturas do poder público, inclusive no judiciário. Agentes estatais de segurança integram grupos milicianos.  

Os territórios por eles controlados hoje constituem bases eleitorais fundamentais para a eleição de seus líderes ou de seus testas-de-ferro. E todos nós sabemos para que tipo de político essa montanha de votos foi recentemente. 

No terreno da política, tais criminosos acabam indiretamente (será?) aliados a religiosos fundamentalistas, sejam eles coronéis da fe do campo evangélico ou catolibãs. Ambos (religiosos conservadores e milicianos) acabam elegendo os mesmos representantes ideológicos: "cidadãos de bem", "cristãos" e "defensores da família". Seriam indiretamente cúmplices do transtornos causados na vida de tantas famílias cariocas a quem dizem defender?

Neste sentido, seriam os incêndios de hoje um recado político a um governo que, em certo sentido, os representariam? Inauguraram os milicianos uma nova modalidade de exercer política, instaurando o pânico na população e impondo limites à ação das autoridades competentes? São questionamentos graves...

Diante dessa situação, como esperar que agora as forças de segurança irão combater efetivamente as milícias? Dá para confiar em instituições policiais cujos membros um dia são presos escoltando caminhões de drogas e em outro integram grupos milicianos e negociam com traficantes?

Bastam algumas poucas perguntas e fica evidente que Castro não exerce nenhuma autoridade e que seu governo pouco controla as estruturas policiais. Diante de cenário tão sombrio, há como ter esperança em mudanças profundas?

Ora, as milícias hoje estão envolvidas com muitos negócios escusos. De contrabando em zona portuária, passando pelo controle de quiosques da orla da Zona Oeste distribuiçao de medicamentos de origem duvidosa à atividades de pesca e farmácias. Da internet fixa, passando pelo transporte "alternativo" à entrega de água mineral e gelo. Há muito tempo estes grupos estão além das tradicionais taxas de segurança, do gato net e da dstribuição. 

Milicianos já estão inseridos nas zonas centrais e áreas nobres da cidade do Rio de Janeiros. Sem alarde, sem domínio ostensivo de território, mas controlando atividades ilegais nestas regiões. Criando dificuldades para depois oferecer as facilidades da segurança para certa classe média, que acredita ser tão vulnerável à violência quantos pobres e pretos que sobrevivem em meio ao caos vivido nas periferias.

Ao mesmo tempo, podemos falar de guerra civil? Em crime organizado? Em poder ou Estado paralelo? O uso destes termos pela cobertura da imprensa - principalmente na tevê aberta - ajuda a população em geral a entender a gravidade do momento pelo qual passa o Estado do Rio de Janeiro?

Desenvolver sociologicamente esses conceitos exigiria um outro texto, mas como podem os jornalistas da GloboNews e da TV Globo falar de Poder ou Estado Paralelo se os criminosos que supostamente a operam fazem parte das estruturas oficiais de poder? 

Se milicianos são agentes públicos, não há poder paralelo. Na verdade, é o estado que está loteado e penetrado por esses grupos criminosos porque alimentam os ganhos economicos das milícias e ao mesmo tempo sustentam grupos políticos, hoje intimamente vinculados à extrema-direita.

Em outras palavras, é como dizia aquele velho funk: Tá dominado! Tá tudo dominado.

*Jorge Alexandre Alves e sociólogo e professor do IFRJ

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