Por Rodrigo
Constantino
O
poeta Ferreira Gullar confirmou o favoritismo e foi eleito o novo “imortal” na
Academia Brasileira de Letras. Mais um maranhense na ABL. só que “um pouco”
melhor em literatura e com “um pouco” mais de dignidade que o outro, o do
bigode, aquele que apoia Dilma.
Acompanho
sempre as colunas de domingo de Gullar na Folha, e as aprecio bastante.
Tornou-se um feroz crítico do lulopetismo, assim como da esquerda que “adora”
Cuba à distância. A reviravolta de Gullar foi tão corajosa e impressionante que
resolvi fechar o meu livro sobre o fenômeno com seu caso, para dar um toque de
esperança ao leitor. Eis, portanto, em homenagem ao poeta, o epílogo de Esquerda Caviar:
Há luz no fim do túnel
Chegamos
ao fim dessa obra. Espero ter fornecido base suficiente para que o leitor
consiga identificar um típico membro da esquerda caviar e compreender melhor
seus reais motivadores. As ideias que essas pessoas disseminam fazem muito mal
ao nosso mundo.
Mas
não queria terminar o livro com um tom pessimista. No começo, reconheci que
vários ícones da esquerda caviar são casos perdidos. As razões que os levaram a
esse lugar hipócrita podem ser fortes demais. Só que há saída para muitos.
Quando a ignorância é o principal catalisador do fenômeno, então o conhecimento
pode ser a solução.
É
preciso coragem para reconhecer os erros do passado, claro. E nem todos
conseguem. Acredito, porém, que um caso concreto possa manter as chamas da
esperança acesas. Falo do poeta Ferreira Gullar, um comunista histórico.
Não
é nada trivial admitir, para si mesmo e para os outros, que defendeu por tanto
tempo coisas muito erradas. Isso significa, de alguma forma, sucatear algo do
próprio passado, jogar na lata de lixo algum esforço, alguns sonhos que
demandaram tanta energia por tanto tempo. Respeito, portanto, a coragem de
Gullar para mudar, para assumir que seu sonho era, na verdade, um pesadelo. Que
seu caso sirva de exemplo a outros.
Em
uma entrevista à revista Dicta&Contradicta, em 2010, ele disse:
Um professor meu de economia política marxista lá em
Moscou me disse o seguinte: “Você sabe quanto tempo levou para que em Paris
houvesse, todo dia, às 8 da manhã, croissant para todo mundo, leite para todo
mundo, pão para todo mundo, café para todo mundo, e tudo saindo na hora? Alguns
séculos”. A revolução desmonta uma coisa que os séculos criaram. Agora, o
Partido resolve, e não vai ter café, não vai ter pão, leite, nada. Resultado?
Trinta anos de fome na União Soviética. Você desmonta a vida! E havia outra
porção de erros: afirmavam que quem faz a riqueza é o trabalhador. Mentira! O
trabalhador também faz isso, mas, se não existe um Henry Ford, não existe a
fábrica de automóvel e não vai ter emprego para você. Nem todo mundo pode ser
Bill Gates, nem todo mundo pode inventar uma coisa.
Em
um artigo na Folha chamado “Conversa fiada”, em agosto de 2012, Gullar
tece loas ao capitalismo e ao empreendedorismo. Comete alguns equívocos,
mantendo uma esperança ainda ingênua na capacidade do Estado como regulador
muito eficiente dos excessos do mercado (ignorando os riscos enormes dos
excessos do governo). Mas, em linhas gerais, trata-se de um avanço incrível.
Ele escreve coisas assim:
Sabe a razão pela qual a empresa estatal dificilmente
alcança alto rendimento? Porque o dono dela – que é o povo – está ausente, não
manda nela, não decide nada. Claro que não pode dar certo. Já a empresa
privada, não. Quem manda nela é o dono, quem decide o que deve ser feito –quais
salários pagar, que preço dar pela matéria-prima, por quanto vender o que
produz –, tudo é decidido pelo dono. E mais que isso: é a grana dele que está
investida ali. Se a empresa der lucro, ele ganha, fica mais rico e a amplia; se
der prejuízo, ele perde, pode até ir à falência (…)
Não obstante, o PT sempre foi contra a privatização de
empresas estatais, “et pour cause”. Lembram-se da privatização da telefonia? Os
petistas foram para a rua denunciar o crime que o governo praticava contra o
patrimônio público. Naquela época, telefone era um bem tão precioso que se
declarava no Imposto de Renda. Hoje, graças àquele “crime”, todo mundo tem
telefone, e a preço de banana. Mas o preconceito ideológico se mantém. Os
governos petistas nada fizeram para resolver os graves problemas estruturais
que comprometem a competitividade do produto brasileiro e impedem o crescimento
econômico, já que teriam de recorrer à privatização de rodovias e ferrovias.
Ferreira
Gullar não tem poupado críticas ao PT, principalmente no que tange à corrupção.
Ao contrário de vários intelectuais de esquerda, que fazem um ensurdecedor e
constrangedor silêncio sobre o assunto, Gullar mantém sua imparcialidade, e
julga os atos, não seus autores. Essa postura é muito cara aos liberais,
defensores do império das leis, ao contrário de boa parte da esquerda caviar,
que age como patota, como máfia, que tem fidelidade aos seus membros, não a
valores e princípios.
Gullar
não quer saber da omertà mafiosa, desse código de silêncio abjeto que
tomou conta da intelligentsia nacional desde que o PT chegou ao poder e
os escândalos começaram a pipocar. Em agosto de 2012, em seu artigo “Só o chefe
não sabia”, publicado na Folha, escreveu, sem poupar o ex-metalúrgico e
ex-presidente Lula:
É evidente que Lula não podia ignorar o mensalão porque
não se tratava de uma questão secundária de seu governo. Longe disso, o
mensalão foi o procedimento encontrado para, com dinheiro público, às vezes, e
com o uso da máquina pública, noutras vezes, comprar o apoio de partidos e os
votos de seus representantes no Congresso. Não se tratava, portanto, de uma
iniciativa secundária, tomada por figuras subalternas, sem o conhecimento do
chefe do governo. Nada disso. Tratava-se, pelo contrário, de um procedimento de
importância decisiva para a aprovação, pelo Congresso, de medidas vitais ao
funcionamento do governo. Portanto, Lula não apenas sabia do mensalão como
contava com o apoio dos mensaleiros para governar.
Algumas
semanas depois, recarregou as armas e atirou novamente, escrevendo na Folha,
em seu artigo “Piada de salão”:
Não por acaso, Lula – que reside num apartamento duplex
de cobertura e veste ternos Armani – voltou a usar o mesmo vocabulário dos
velhos tempos: “A burguesia não pode voltar ao poder”. Sim, não pode, porque
agora quem nos governa é a classe operária, aquela que já chegou ao paraíso.
Não tenho nenhum prazer em assistir a esse espetáculo degradante, quando
políticos de prestígio popular, que durante algum tempo encarnaram a defesa da
democracia e da justiça social em nosso país, são condenados por graves
atentados à ética e aos interesses da nação. As condenações ocorreram porque
não havia como o STF furtar-se às evidências: dinheiro público foi entregue ao
PT, mediante empréstimos fictícios, que tornaram possível a compra de deputados
para votarem com o governo. Tudo conforme a ética petista, antiburguesa.
Por
fim, a entrevista concedida às páginas amarelas da revista Veja, em
setembro de 2012, que alcançou enorme repercussão. Nela, Gullar
coloca o dedo na ferida dos ícones da esquerda caviar dissecados nesse livro.
Seguem alguns trechos:
O socialismo fracassou. Quando o Muro de Berlim caiu,
minha visão já era bastante crítica. A derrocada do socialismo não se deu ao
cabo de alguma grande guerra. O fracasso do sistema foi interno. (…)
O empresário é um intelectual que, em vez de escrever
poesias, monta empresas. É um criador, um indivíduo que faz coisas novas. A
visão de que só um lado produz riqueza e o outro só explora é radical, sectária,
primária. A partir dessa miopia, tudo o mais deu errado para o campo
socialista. (…)
Eu, de direita? Era só o que faltava. A questão é muito
clara. Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém era. Agora que dá prêmio,
todo mundo é. Pensar isso a meu respeito não é honesto. Porque o que estou
dizendo é que o socialismo acabou, estabeleceu ditaduras, não criou democracia
em lugar algum e matou gente em quantidade. Isso tudo é verdade. Não estou
inventando. (…)
Não posso defender um regime [o cubano] sob o qual eu não
gostaria de viver. Não posso admirar um país do qual eu não possa sair na hora
que quiser. Não dá para defender um regime em que não se possa publicar um
livro sem pedir permissão ao governo. Apesar disso, há uma porção de
intelectuais brasileiros que defendem Cuba, mas, obviamente, não querem viver
lá de jeito nenhum. É difícil para as pessoas reconhecer que estavam erradas,
que passaram a vida toda pregando uma coisa que nunca deu certo.
Concordemos
com o poeta. É mesmo muito difícil. Mas não é impossível, como seu próprio
exemplo comprova. Há luz no fim do túnel escuro da esquerda caviar, e não
necessariamente é um trem vindo em nossa direção. Com alguma honestidade
intelectual e com doses razoáveis de coragem, vários que estão hoje
aprisionados nessas correntes ideológicas, por covardia, por medo, por vontade
de agradar os incautos, por alienação ou por pura ignorância, conseguirão obter
a própria liberdade e deixar o esquerdismo para trás.
Esse
mal tem remédio. E espero ter feito minha parte com esse livro, para ajudar no
processo de desintoxicação. Venha você também para o lado mais saudável, mais
verdadeiro, mais sincero, mais endireitado e menos sinistro. Diga adeus à
esquerda caviar!