Por José
Sarney
Desceu
sobre o nosso Estado uma vergonha nacional. A visão que foi projetada foi
cruel. E ninguém acreditava que, no Brasil, pudéssemos ter uma reminiscência
das formas de tortura da Idade Média, onde eram raras as cadeias, mas em geral
as pessoas ficavam amarradas em esteios, cavernas e masmorras – ou penduradas
em gaiolas. Era uma maneira de se chegar à aplicação das penas conhecidas, que
eram marcas infamantes, mutilações e mortes cruéis. A forma da morte era
escolhida de maneira que fosse lenta – por isso a “modernidade” da guilhotina,
que era rápida.
Não sei
se, na União Soviética, que morreu sem deixar saudades, mas o saldo de mais de
30 milhões de mortos, o Stalin do comunismo de Estado construía gaiolões.
A verdade
é que Barra do Corda, em nosso Estado, não merecia notoriedade nacional por
esse motivo: ter sido descoberto um pequeno campo de concentração para punir
pessoas, expostas à degradação, uma vez que era um espaço cercado de grades, de
alto abaixo, um quadrado acimentado, em que um ser humano, sem água e sem lugar
para fazer suas necessidades, fica na degradação humilhante de acocorar-se,
esparramar-se no chão, ou ficar em pé, de qualquer forma exposto ao sol durante
todo o dia, podendo sofrer queimaduras, feridas e sequelas externas e internas.
O homem,
através dos tempos, chegou a um momento em que a insensibilidade tomou conta
dos corações. Mas ninguém deixou de pungir-se com a cena do gaiolão de Barra do
Corda, em que Francisco Lima e Silva, exposto a essas condições tão desumanas,
só teve o alívio da morte.
O
Ministério Público e a Defensoria daquele Município, desde o mês de maio,
pediam que a monstruosidade fosse interditada. O juiz negou a inicial. Mas eles
tiveram o cuidado de distribuir a denúncia da crueldade ali existente a todas
as entidades nacionais que vigiam os direitos humanos.
O Governo
do Estado lavou as mãos, e agora, diante da tragédia, diz que a culpa não é
dele, mas de seus adversários. Essa fuga já não existe mais, pois, há três
anos, estamos mergulhados nessa insensibilidade, que chegou ao máximo com o de
que agora o país toma conhecimento.
Nada se
fez. Nada se está fazendo. E acredito que nada se fará. Por muito menos,
Roseana sofreu uma campanha política comandada pelos governantes atuais, que a
responsabilizavam por uma disputa, também cruel, entre facções de bandidos.
Sobre
essa campanha, que tinha objetivos eleitorais, um dia vão ser esclarecidas as
suspeitas que pesam de terem sido promovidas com intuito político, que
finalmente deu resultados.
O dr.
Janot ameaçou pedir intervenção no Estado, denunciar à ONU, na Comissão de
Direitos Humanos, e para cá mandou uma comissão de procuradores, cuja função
era apenas atingir o objetivo político.
Quando
assumi o Governo do Maranhão, em 1966, ainda tínhamos, em nosso Estado, o famoso
tronco da Idade Média, que foi usado contra os escravos e continuou depois da
abolição, com os prisioneiros a ele ficando acorrentados e expostos à execração
pública. Fui à televisão, mostrei as correntes e acabei com esse tipo milenar
de privação de liberdade e preparação para a morte.
Agora me
parece que o gaiolão é um tronco moderno, feito de cimento e vergalhões de
ferro.
No tempo
da escravatura, diziam que, para os pretos, só tinham três “P”: pano, pão,
porrada. Essa é a lei que está voltando em nosso Estado.
No
momento em que toda a Nação pede a manutenção da lei do trabalho escravo, nós
estamos vendo aqui não o trabalho escravo, mas a execução com crueldade de um
comerciante, que paga com sua vida o grito de todos nós pedindo que esse tipo
de prisão e outros cruéis, que caracterizam o sistema prisional brasileiro,
acabem para sempre.
O
maranhense é um povo pacífico, ordeiro, generoso e não aceita que gaiolão rime
com Maranhão.
José
Sarney