A polarização eleitoral entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando
Haddad (PT), primeiro e segundo colocados nas pesquisas de
intenção de voto, aumentou nas redes sociais. Os dois têm o maior número de
interações no Twitter e também maior porcentagem de perfis automatizados, os
chamados robôs, interagindo com seus apoiadores – 43% e 28,4%, respectivamente,
de 3.198 contas suspeitas monitoradas em estudo da Diretoria de Análise de
Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-Dapp).
A presença de robôs nas redes vem crescendo desde o
início da campanha das eleições 2018,
em 15 de agosto, atingindo o ápice na última semana. Entre 12 e 18 de setembro,
a pesquisa analisou 5,3 milhões de interações (retuítes) e mais de 712 mil
perfis na rede social. No período, o patamar de interações envolvendo robôs
chegou a 12,9%. No início da disputa eleitoral esse número era de 4,2%.
Procuradas, as campanhas negaram a utilização de
robôs nas redes sociais. “A gente não contrata nenhum robô. Se está tendo, as
pessoas que estão fazendo aí”, afirmou nesta quinta-feira, 20, o filho de Jair
Bolsonaro, Flávio Bolsonaro.
O acirramento na campanha é um dos principais
motivos para explicar o aumento de robôs na rede social, segundo um dos autores
do estudo, professor Marco Aurélio Ruediger. “Você tem um crescimento repentino
do candidato do PT, uma contraofensiva do campo à direita, e um terceiro campo
buscando a terceira via, e aumenta a tentativa de influenciar as redes. A
tendência dessa curva de acirramento é continuar crescendo.”
Esses números não pertencem, necessariamente, a uma
campanha ou a um candidato. Segundo a metodologia de identificação desses
robôs, não há nem mesmo como provar que sejam positivos ou negativos ao
candidato, mas apenas interações com suas contas.
São considerados robôs contas automatizadas que
geram volume de interações nas redes. Eles podem atuar tanto para atacar um
candidato, como simplesmente para fazer campanha positiva.
“Há vários parâmetros para determinar um robô, um
deles é quando ele realiza disparos, um tuíte ou retuíte, em um curto período
de tempo”, disse Ruediger. O professor ressaltou ainda que o Twitter tem
desempenhado um papel importante no combate a esses perfis falsos. A rede
social informou, por meio de nota, que não comenta a pesquisa, porque não teve
acesso à base de dados da FGV.
Na “bolha” de apoiadores de Bolsonaro e Haddad,
também foram identificados os maiores patamares de retuítes suspeitos. As
interações de robôs na seara “bolsonarista” chega a 17,8%; do lado de Haddad,
esse patamar chega a 13%. A próxima “bolha” com retuítes suspeitos é de Marina Silva (Rede), bem abaixo, com 7,2%.
Proibição. A lei eleitoral proíbe “a veiculação de conteúdos
de cunho eleitoral mediante cadastro de usuário de aplicação de internet com a
intenção de falsear identidade”. Além disso, se os robôs forem contratados por
apoiadores, podem ser enquadrados como impulsionamento, o que também é ilegal.
A multa, neste caso, vai de R$ 5 mil a R$ 30 mil.
Ao Estado, a assessoria do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) afirmou que não fiscaliza o uso de robôs na campanha e
atua apenas em caso de denúncia, seja do Ministério Público Eleitoral ou de
algum partido que se considere prejudicado. Não há registro de punição até hoje
ao uso deste artifício.
“A fiscalização não cabe, de fato, ao TSE. Se uma
pessoa achar alguma publicação estranha, pode pedir para o MP investigar”,
disse o ex-ministro do TSE Henrique Neves, chamando a atenção para
quando esses perfis compartilham notícias falsas. “O que é importante pontuar é
que todos nós temos de tomar muito cuidado com o que a gente compartilha ou
interage. Nas eleições, as desinformações tendem a aumentar.”
Ataques
As campanhas negam a utilização de robôs, mas a
maioria tem identificado ataques. Na equipe de Marina Silva (Rede), por
exemplo, os perfis da candidata têm recebido comentários que costumam associar
o nome dela ao número de Bolsonaro. Isso se intensificou, segundo disseram,
depois do embate entre os dois presidenciáveis.
“A gente conseguiu montar uma militância digital
para combater isso. A orientação é tentar dar visibilidade positiva à
candidata”, disse Lucas Brandão, coordenador de mobilização.
A assessoria de imprensa de Alvaro Dias (Podemos) identificou ontem
o que chamou de um “ataque violento” nas redes, depois de o candidato gravar um
vídeo criticando o presidenciável do PSL. Na mesma linha, o coordenador de
mídias sociais de Henrique Meirelles
(MDB), Daniel Braga, disse acreditar que boa parte dos ataques seja por robôs,
uma vez que várias contas têm registro de fora do Brasil.
“Não acreditamos na eficiência de ações com robôs.
Eles não formam opinião, apenas posicionam uma hashtag nos trending topics.”
A campanha de João Amoêdo (Novo) também disse ter sido atacada nas últimas semanas, mas admitiu não conseguir identificar se isso vem de robôs.
‘Fenômeno pode ser eficaz para
amplificar mensagem’
Os robôs são usados nas redes sociais para
amplificar o alcance de uma mensagem ou publicação e conseguir gerar o
engajamento de pessoas comuns a conteúdo político. “Nem tudo se torna viral,
mas há situações em que as pessoas gostam do conteúdo (compartilhado por um
robô) e também compartilham. O retuíte é feito por um humano, mas muitos
também já foram feitos antes por robôs”, explica o especialista Filippo
Menczer.
“Robôs são importantes em amplificar o alcance de
uma mensagem para ganhar a reação de humanos”, afirma o professor, um dos
autores de estudo sobre o uso de robôs nas eleições americanas de 2016. Os
robôs, chamados nos EUA de bots, são contas automatizadas que geram e
compartilham conteúdo simulando ação humana.
Menczer é professor de Ciência da Computação e
Informática e diretor do Centro para Pesquisa de Redes Complexas e Sistemas da Universidade
de Indiana, com pesquisas sobre o modo de disseminar informação e
desinformação nas redes.
O uso de contas automatizadas e a influência delas
em campanhas é um tema explorado nos EUA, onde plataformas sociais e
autoridades investigam a interferência de russos em 2016. Pelas investigações,
russos usaram “trolls” – pessoas pagas para gerar conteúdo ou com crença sobre
o que estão compartilhando – para criar conteúdo contrário a Hillary Clinton.
Os robôs também retuitaram mensagens de Donald Trump durante as eleições.
Segundo apuração interna do próprio Twitter, robôs russos retuitaram cerca de
470 mil vezes postagens de Trump no período eleitoral.
Ao analisar as eleições americanas, Menczer pesquisou
o caminho de conversas que pareciam geradas artificialmente para identificar o
uso dos robôs para retuitar outra conta artificial de forma sequencial. A
ideia, segundo ele, é levar o tema aos “trending topics” – assuntos mais
comentados do Twitter. / MARIANNA HOLANDA, RODRIGO CAVALHEIRO, CECÍLIA DO
LAGO, PAULO BERALDO, GILBERTO AMENDOLA, ADRIANA FERRAZ, PEDRO VENCESLAU e
BEATRIZ BULLA