Por José
Sarney
O século
XX foi caracterizado como o mais violento da história do Mundo
Ocidental.Tivemos duas guerras mundiais, com milhões de mortos. Pensou-se
que, depois da última, o mundo iria viver em paz e harmonia; mas surgiu uma
nova espécie de guerra, que foi a Guerra Fria, da confrontação e da ameaça
da arma nuclear. Houve o enfrentamento de duas ideologias: a comunista e a
capitalista.
Na
esteira da descolonização e da maior onda de democratização que já vivemos,
a queda do Muro de Berlim acabou a Guerra Fria.
Mas na
América ficamos com uma herança, que foi Cuba, onde continuou o embargo dos EUA
— que já no meu mandato o Brasil rompeu. A Revolução Cubana procurava se
exportar para toda a América Latina. Isto correspondeu ao período das ditaduras
militares estimuladas e reconhecidas pelos EUA, das agitações populares e da
implantação de um anarco populismo. Procurava-se destruir a autoestima
nacional, estimular a luta das minorias e promover a guerra de guerrilha,
coisas que foram perdendo força à proporção que o mundo se ia transformando.
O que
ficou nos dias de hoje foi o fortalecimento do proletariado e a tomada de
consciência da prioridade dos direitos humanos, cujas violações tornaram-se
intoleráveis e impossíveis de aceitar, e uma sociedade cada vez mais
inconformada com a desigualdade.
No mundo
de hoje acabou-se a polarização entre duas potências — Rússia e EUA —,
para uma multipolarização, com destaque maior para a China, potência científica
e militar que caminha para ser a primeira economia do mundo.
Assim,
esta turbulência que vive a América Latina é uma distante hipoteca da Guerra
Fria, misturada a rebeliões populares do longínquo século XIX. É um
fenômeno das democracias pobres, não amadurecidas e consolidadas do mundo
ocidental. É o caso da Venezuela, da Nicarágua, do Peru, do Equador. Na
Argentina sobrevive e ao mesmo tempo agoniza o peronismo, cuja ideologia não se
sabe bem o que é, mas resiste ao tempo. O problema da Bolívia é
inteiramente diferente.
Na
Bolívia houve a presença de um fenômeno pessoal: Evo Morales. Ele fez
um brilhante governo. Pela primeira vez o país teve um longo período de
estabilidade, crescimento econômico e paz social. O Presidente Morales julgou
que isso lhe assegurava perpetuar-se no poder e avaliou mal o sentimento
popular. A rotatividade no poder é a base da estabilidade democrática. Ele
convocou um plebiscito para ver se o povo concordava em dar-lhe um quarto
mandato e o povo respondeu não. Ditatorialmente, dominando a Justiça,
obteve da Corte Suprema desconhecer o veredito popular e forçou uma nova
eleição, comprovadamente fraudulenta. Deu no que deu.
A Bolívia
é país sofrido, instável, com uma história de expoliação de seu território,
tendo sua saída para o mar cortada e passado por mais de 150 golpes
militares.
Vamos
esperar que volte ao caminho que vinha seguindo: democracia e crescimento. Ela
merece.