A
presidente Dilma Rousseff faz, nesta sexta-feira, 100 dias do seu segundo
mandato. Mas tem poucas razões para comemorar. Isolada, a petista tem
dificuldades para reverter o ceticismo do mercado, a desconfiança de aliados e
o descrédito de uma parte cada vez maior da população.
Passados mais de três
meses após reassumir o comando do país, as preocupações de Dilma se estendem
desde a economia até a política, passando pela relação com a sociedade,
fragilizada especialmente pelo escândalo de corrupção na Petrobras.
O cenário atual é
distinto de quando a petista assumiu a Presidência, em janeiro de 2011. Nos 100
primeiros dias daquele ano, o quadro geral era bem mais favorável à presidente,
mas tampouco totalmente positivo.
Em nota enviada à BBC
Brasil, a Secretaria-Geral da Presidência da República afirmou que "o
governo está operando em ritmo acelerado, dando continuidade aos programas e
fazendo ajustes para acelerar o crescimento econômico do país".
"Neste ano, por
exemplo, o governo entregou 1 mil unidades residenciais do programa Minha Casa
Minha Vida por dia. Os compromissos assumidos na campanha se estendem até
2018", acrescenta o comunicado.
A BBC Brasil ouviu
especialistas em quatro temas para traçar um raio-X do que mudou nos 100
primeiros dias do primeiro e segundo mandatos. Confira.
1) Popularidade
Beneficiada pelo
então bom momento econômico e pela popularidade em alta de seu antecessor, o
ex-presidente Lula, Dilma terminou os três primeiros meses de mandato em 2011
com a confiança de 73% da população.
Mas a situação se
inverteu no segundo mandato: agora, o mesmo percentual de pessoas diz não
confiar na presidente, segundo a pesquisa CNI-Ibope divulgada na semana
passada.
O índice de
desconfiança é o mais alto em 20 anos. Segundo o levantamento, somente 24% dos
entrevistados dizem confiar em Dilma. O pior resultado até então havia sido
registrado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de 22%, no início do
seu segundo mandato, em 1999.
A pesquisa também
revelou que apenas 12% dos brasileiros avaliaram o governo da presidente como
"ótimo" ou "bom". De janeiro a março de 2011, esse índice
era de 56%.
O levantamento
mostrou ainda que 76% dos entrevistados avaliaram que o segundo governo de
Dilma está sendo pior do que o primeiro.
"Quando assumiu
a Presidência em 2011, Dilma foi beneficiada pelo crescimento da economia no
ano anterior, de 7,5%, e pelo capital político de Lula, cujo segundo mandato
foi relativamente bem-sucedido", diz Ricardo Ismael, cientista político da
PUC-Rio.
"Isso lhe
permitiu maior autonomia em relação ao Congresso, que passou a buscar apoio da
presidente", acrescenta.
"Hoje, a
situação se inverteu. Uma conjunção de fatores ─ econômicos e políticos ─
resultou na crise de governabilidade que a presidente está enfrentando. Com uma
base fraca no Congresso e uma economia que ainda não dá sinais de retomada,
Dilma terá um 2015 difícil pela frente", prevê Ismael.
2) Economia
Na economia, Dilma
assumiu a Presidência também com bons ventos a seu favor, ainda que com a
previsão de um menor crescimento para o ano. Nos três primeiros meses de 2011,
o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro cresceu 1,7% sobre o trimestre
imediatamente anterior e 4,2% na comparação anual, com destaques para a
agropecuária e indústria.
O crescimento foi
comemorado pelo governo, especialmente em meio a uma atividade econômica já
aquecida. Em 2010, a economia havia registrado alta de 7,5%.
Ainda não há dados
sobre o desempenho do PIB no início de 2015, mas no último trimestre de 2014 o
crescimento foi de 0,3% na comparação com o trimestre anterior e de 0,1% na
comparação anual.
O mercado espera uma
piora desse quadro neste ano. Segundo uma estimativa do relatório Focus do
Banco Central, que pesquisa semanalmente as previsões de mercado para a
economia, espera-se uma queda de 1% no PIB brasileiro em 2015.
A taxa de desemprego
média entre janeiro e março de 2011 foi de 6,3%, refletindo, segundo o IBGE, o
cenário mais favorável na economia e empregos mais qualificados.
Por outro lado,
sinais de que a meta do superavit primário (economia para pagar os juros da
dívida) não seria cumprida e em meio à aceleração da inflação (o índice foi de
6,3% nos últimos 12 meses terminados em março daquele ano) levaram o governo a
adotar um forte ajuste fiscal, com foco na redução de gastos públicos, e a
manter o ciclo de alta dos juros, iniciado em fevereiro de 2010.
Neste ano de 2015,
encabeçado pelo atual ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o ajuste fiscal –
também acompanhado pelo aumento dos juros - voltou a fazer parte da agenda
econômica do governo, mas com diferenças "substanciais" em relação a
2011, lembra André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos.
"A qualidade e a
profundidade dos ajustes são bastante distintas entre si. No primeiro mandato,
Dilma fez um ajuste fiscal basicamente cortando despesas. Agora, o ajuste se dá
para recompor receitas", explica Perfeito.
Perfeito faz alusão à
série de recentes medidas tomadas por Levy ─ apelidadas de "pacote de
maldades" ─ com o objetivo de elevar a arrecadação federal e retomar o
crescimento da economia. Entre elas, as medidas provisórias 664 e 665, que
alteram o acesso a direitos previdenciários como o seguro-desemprego e a pensão
por morte.
"Houve também
uma alteração profunda na forma como o governo conduz sua política econômica.
Saiu o ministro Mantega (Guido Mantega) e entrou Joaquim Levy, que tem uma
agenda distinta da da presidente", acrescenta o economista. "Acredito
que o ajuste será agora no salário real das pessoas", avalia.
Para Pedro Rossi,
professor de economia da Unicamp, o quadro econômico atual é "muito
pior".
"A economia está
muito mais fragilizada, em especial pelo enfraquecimento da demanda
externa", diz ele.
Dados econômicos
recentes comprovam a maior fragilidade da economia. Em março, a inflação
oficial ─ medida pelo IPCA ─ acelerou 1,32% em março e chegou a 8,13% em 12
meses, bem acima do teto da meta, de 6,5%.
Já o desemprego subiu
para 7,4% no trimestre encerrado em fevereiro, segundo o IBGE.
Rossi, no entanto,
critica as medidas de ajuste fiscal no que ele descreve como "ciclo
'austericida'".
"O baixo
dinamismo econômico exige cada vez mais esforço fiscal (redução de gastos) o
que, por sua vez, freia a retomada da economia. Trata-se de um círculo
vicioso", opina.
"Se o cenário
recessivo permanecer, haverá uma reversão das conquistas socioeconômicas dos
últimos anos, com aumento do desemprego e uma perda real do salário
médio", acrescenta.
3) Relações com o Congresso
Em quatro anos, a
relação de Dilma com o Congresso passou por drásticas mudanças. A presidente,
que se aproveitou do capital político do ex-presidente Lula no início do
primeiro mandato, agora sofre para governar em meio a ataques da base aliada,
principalmente do PMDB.
Uma das razões para
isso é a própria alteração do perfil dos congressistas e do próprio Congresso,
lembram especialistas.
Em 2011, o PT tinha a
maior bancada na Câmara dos Deputados, com 88 parlamentares. No Senado, o
partido controlava 15 cadeiras, cinco a menos do que o aliado PMDB. No entanto,
após as eleições do ano passado, o PMDB passou a dominar as duas casas, reduzindo
a autonomia da presidente. A oposição, por sua vez, também ganhou força.
"Se, por um
lado, aumentou o número de parlamentares conservadores, que não se aliam com o
projeto de político que o PT vem desenhando desde 2002, por outro, houve uma
inabilidade do PT em trabalhar a aliança com o PMDB. A sigla está desgastada e,
dentro dela, há fileiras que se opõem inclusive às medidas da presidente
Dilma", diz Antonio Carlos Mazzeo, professor de Ciências Políticas da USP.
As derrotas impostas
ao governo pela base aliada vêm se multiplicando dia após dia. No início de
março, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), devolveu ao Executivo
a MP que reduz desonerações da folha de pagamento. Nesta semana, a Câmara dos
Deputados, liderada pelo também peemedebista Eduardo Cunha (PMDB-RJ), votou o
projeto de lei que regulamenta as terceirizações, que não conta com o apoio do
governo.
"Dilma não tem
mais força política para colocar o PMDB para fora da coalizão. A autonomia de
que gozava no início do primeiro mandato, em grande parte devido à popularidade
de Lula, não existe mais. Ela sabe que para governar não poderá mais mandar;
terá de negociar", argumenta Ismael, da PUC-Rio.
Na terça, Dilma deu
novo sinal de que está inclinada a reconstruir a relação com o PMDB, ao passar
para o vice-presidente, Michel Temer, as atribuições da Secretaria de Relações
Institucionais, até então chefiada pelo ministro Pepe Vargas (PT-RS).
Além de fazer a
articulação com o Senado e a Câmara, o vice-presidente fará a interlocução do
Executivo federal com governadores e prefeitos.
4) Corrupção
Ainda que em voga por
causa da revelação do esquema bilionário de desvio de verbas na Petrobras,
escândalos de corrupção não são novidade no governo de Dilma Rousseff.
Em dezembro de 2010,
o recém-indicado ministro do Turismo, Pedro Novais, foi o primeiro integrante
do governo a ser acusado de malfeitos, antes mesmo da posse.
Segundo o jornal O Estado de S.Paulo,
Novais teria usado dinheiro público para pagar as despesas de um motel em São
Luís, no Maranhão, seu Estado natal. Denunciado por graves irregularidades
cometidas quando ainda era deputado federal, ele acabou deixando a pasta em
setembro de 2011.
Além de Novais,
outros cinco ministros de Dilma também não resistiram em seus cargos durante o
primeiro mandato da petista, quatro deles pelo envolvimento em denúncias de
corrupção.
A forma enérgica como
Dilma lidou com os episódios, no entanto, lhe rendeu boa acolhida por parte da
população, que passou a vê-la como a grande responsável pela "faxina
ética" contra a corrupção no país. No fim do seu primeiro ano de mandato,
a petista tinha 59% de aprovação, o maior índice para um presidente neste
período desde a redemocratização.
"Hoje, no
entanto, Dilma é vista, inclusive por parte de seus eleitores, como alguém que
mentiu em suas promessas de campanha. Além disso, o escândalo da Petrobras teve
um impacto de grandes dimensões sobre sua reputação, ainda que tenha começado
durante o governo Lula", conclui Ismael, da PUC-Rio.
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