domingo, 7 de março de 2021

COLUNA DO DR. ERIVELTON LAGO - A ENCHENTE DO RIO MEARIM E O CHORO DA MINHA MÃE

A ENCHENTE DO RIO MEARIM E O CHORO DA MINHA MÃE 

No ano de 2018, o meu amigo advogado Geomilson Alves Lima, me enviou um recorte de jornal dizendo que nas regiões próximas ao Rio Mearim, muitas pessoas estavam tendo prejuízos causados pelas chuvas. Dizia o jornal: Centenas de famílias estão em situação risco. O estádio Correão está servindo de abrigo para algumas famílias que perderam quase tudo por causa das enchentes. A casa da família foi inundada e a Defesa Civil os resgatou. O meu colega advogado me fez a seguinte pergunta: Erivelton, tu deves estar muito triste com essas enchentes, né rapaz? Respondi- estou triste, mas com boas recordações da minha infância. Em 1964 o rio encheu tanto que cobriu a nossa casa até o teto, quando morávamos na Trizidela, ali nas imediações do cabaré do Preto Oito, mas a nossa casa era um pouco mais abaixo à beira do rio. Enquanto mamãe chorava lamentando, eu não entendia, exatamente, o motivo do choro. Eu apenas nadava e brincava com meus companheiros de casas alagadas. Eu não via nada de errado quando o rio enchia demais. Foi uma época em que comi muita sardinha em lata, arroz, macarrão e bolacha água e sal. As pessoas de melhores condições e as complacentes sempre apareciam para ajudar os desabrigados. Como dizia Jesus Cristo: “na vida, sempre passará um homem ou uma mulher que nos dará uma moeda ou um pedaço de pão”. Naquele ano as famílias levaram muita roupa, brinquedo e comida para as crianças desabrigadas. Ficávamos numa espécie de abrigo coletivo que nem sei o endereço, pois isso era o que menos me interessava. Eu queria era brincar com os outros meninos desabrigados, que também não estavam nem aí para os lamentos de suas mães. Nós meninos só queríamos brincar e comer, nossas mães que se virassem. Na verdade, o mundo da criança é muito grande. Tudo é grande além da conta. Os cavalos são altos demais. Os carros são grandes demais. O rio cheio é um mar. O choro da mãe é pequeno e pouco significa, a não ser que seja explicado o motivo. Mamãe nunca me dizia porque ela estava chorando. Depois que eu cresci, descobri- o choro dela sempre tinha alguma coisa a ver com sua luta para me alimentar, para eu dormir melhor, para eu não adoecer, para eu não chorar, para eu não ter medo de bicho e para as águas não levarem rio abaixo o pouco que tínhamos e a minha carta de abc. Descobri que o choro de mamãe era a preocupação de como ela iria refazer a nossa casa que o rio acabara de cobrir. Puxa vida! Mamãe foi tão boazinha comigo que só morreu quando eu já era um sexagenário. Até parece que ela sabia que se morresse quando eu ainda era um menino, eu iria chorar tanto que morreria no mesmo dia junto com ela. Então, mamãe, muito obrigado pela sua vida longa perto de mim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário