BACABAL, AS QUATRO ESTAÇÕES E O CINEMA
Em 1967, minha mãe foi morar no povoado de Bacuri, vivemos nesse lugar entre os meus 07 e 10 anos de idade. O Bacuri era um povoado da cidade de Bacabal, moravam lá cerca de 20 famílias. Nessa época a meninada e os adultos iam pescar no Igarapé Piratininga que cortava duas propriedades-povoado, uma delas pertencia ao seu COLÓ, pai de Antonio Magalhães, um amigo meu residente hoje na cidade de Pedreiras-MA, e a outra propriedade pertencia a outro homem de nome Valério, ambos eram negros que nós meninos considerávamos homens ricos, pois eles eram os proprietários daquelas terras. Esses povoados eram denominados Mundego do COLÓ e Mundego do VALÉRIO. Caminhávamos cerca de uma légua e meia para chegarmos naquele lugarejo banhado por esse igarapé muito rico em peixes, tais como: niquin, traíra, jeju, mandir, curimatá, branquinha, bodó, surubim, piranha, cará, piau, piaba olho de fogo, joão duro e cachimbo. O tambaqui não existia nas nossas águas. A pescaria acontecia entre o final do outono e se estendia até meados da primavera, ou seja, entre julho e novembro, quando as águas estavam baixando, conforme, também, a força das chuvas de verão que se estendiam até o final do outono. As festas juninas, no Bacuri, eram na estação do inverno. O inverno brasileiro começa em 20 de junho, o dia de São João é 24 desse mês. O Inácio, filho do seu Félix, fazia o “boi de brincar” usando um cofo de palha de palmeira de babaçu e pintávamos o boi com urucu. Os chifres eram feitos com uma forquilha retirada de um pé de goiaba qualquer. A saia do boi era feita de retalhos de pano velho. Os tambores eram cobertos com couro de camaleão, gato maracajá e cobra jiboia. Nessa época a lei ambiental nº 6.938, não existia, pois ela é de agosto de 1981, nossos bois eram feitos entre o final do outono e o início do inverno dos anos 60. No dia 30 de setembro, já na primavera, seu Pivó, o pai de santo do povoado, amanhecia atuado, ou seja, com espírito. Todo mundo corria para lá a partir das 4 da manhã. Quando o espírito baixava no seu PIVÓ, era festa e muita comida de graça. Todo mundo podia dançar no terreiro. O seu Pivó tinha tanta galinha no quintal que parecia a empresa Pena Branca. As filhas de Santo e outras mulheres da vizinhança matavam dezenas de galinhas para os visitantes comerem. Nós meninos e os cachorros da comunidade agradecíamos a Deus e a São Lázaro, por aquele dia de primavera e fartura, com a licença do orixá Xangô, dono da festa. Esse orixá costuma castigar os mentirosos, os ladrões e malfeitores. Seu símbolo principal é o machado de dois gumes e a balança, símbolo da justiça. No terreiro ficava um machado pendurado na parede. Ninguém tocava nele, senão sangrava até morrer. O verão brasileiro sucede a primavera e antecede o outono. O seu calor resulta em uma evaporação mais rápida da água acumulada nos solos, resultando em chuvas constantes. Lá no Bacuri, o verão trazia uma grande festa na casa de dona Áurea quando era comemorado o dia de Iemanjá, 2 de fevereiro. Iemanjá, também conhecida como "Rainha do Mar", é um orixá africano feminino e faz parte da religião do candomblé. Na sequência, logo ali perto, no Povoado de Dão Pedro, acontecia a festa dançante com a Banda do saxofonista “BIBIL BALAIADA”, o melhor da época contratado na cidade. Depois vinha o carnaval que era realizado na casa do seu Jaqueira, pois seu filho, Zé Maria, tinha uma sanfona, o único instrumento musical de respeito da região. A figura humana de destaque dessas três festas era o negro CASCORÉ, irmão do advogado criminalista bacabalense, BENTO VIEIRA. Cascoré era uma atração à parte porque se trajava como homem da cidade. Era bonito, na nossa visão de menino, e se vestia impecavelmente: calça branca de linho, camisa azul de seda e sapatos Vulcabrás marrons. Fotógrafo, ele carregava uma máquina fotográfica “NYKON”, grande e bonita. Como dizem os jovens de hoje, Cascoré era o mídia da época, naqueles povoados. O meu colega Badu, o mais entendido de todos nós, dizia que Cascoré era um cinema. Depois, quando eu mudei para a cidade de Bacabal, no início dos anos 70, descobri que cinema era outra coisa. Mas, tudo bem, para nós, Cascoré era um CINEMA.
Mas que beleza de texto.muito aconchegante pois remete nossa alma ao regional tão verdadeiro e místico. Adorei!
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