Ele foi missionário, desbravador, polemista, conselheiro, estrategista, intelectual e, seguramente, o maior nome da literatura portuguesa em terras brasileiras. Nascido em Portugal, veio para o Brasil ainda criança. Em Salvador aprendeu as primeiras letras, iniciou-se em teologia, lógica, filosofia, matemática, literatura, línguas. Aos 15 entrou para a Ordem de Jesus, de onde jamais saiu. Morreu no final do século XVII, próximo de completar 90 anos, entre realizado e frustrado.
O Padre Antônio Vieira foi um diamante bruto que se lapidou com o tempo. Ao contrário do que muitos possam imaginar, a luz sobre ele não surgiu de chofre. Seu biógrafo mais importante, João Lúcio de Azevedo, diz que ele não foi um gênio precoce, pois, como estudante, compreendia mal, decorava a custo, escrevia com dificuldade. No resumo da ópera “era um aluno medíocre”.
Agressivo, ousado, ambicioso, Vieira pode ser visto como anjo e também demônio. De volta a Portugal, em 1641, já famoso por suas cartas e sermões e amigo e confidente do Rei Dom João IV, influenciaria os acontecimentos mais importantes relacionados com a corte dos Bragança pelos anos seguintes. Graças a ele, Portugal não entraria em confronto direto com a Holanda pela retomada de Pernambuco. Vieira argumentava que os holandeses, muito mais preparados belicamente, imporiam uma derrota humilhante e desnecessária aos compatriotas lusos. “Transplantaremos Pernambuco a outra parte, pois o que nos falta não são terras, senão habitantes”.
Contudo, a derrota holandesa sobre o território pernambucano ocorreria anos depois, em 1654, por efeito de uma iniciativa do próprio Vieira: a criação da Companhia Geral de Comércio do Brasil, turbinada com dinheiro de cristãos-novos e judeus. A empresa gerenciava a guarda e o transporte de mercadorias, o que ajudou a recuperar a economia nordestina, assentada sobre a produção de açúcar. Com isso Portugal fortaleceu suas posições na região, controlou o trânsito de mercadorias com destino à Coroa e acabou reavendo a capitania.
Vieira desembarcaria em São Luís em 1653, sob clima de guerra. Os colonos, descontentes com a presença dos jesuítas, que resistiam à escravização dos indígenas, ameaçam-lhes de expulsão, a exemplo do que já ocorrera em São Paulo. A situação tornou-se crítica com a publicação de uma ordem régia que abolia o cativeiro nativo. Em carta Vieira registrou os protestos. “Aproveitou-se da ocasião o demônio, e pôs na língua, não se sabe de quem, que os padres da Companhia foram os que alcançaram de El-Rei esta ordem, para lhe tirarem os índios de casa”.
No célebre "Sermão da Quinta Dominga da Quaresma”, Vieria colocou ainda mais lenha na fogueira. Fez alusão ao quinto domingo da Quaresma que o Evangelho classifica como o domingo da verdade e deu-lhe amplitude. "Para mim todos os domingos têm este sobrenome, porque em todos prego verdades, e muito claras como tendes visto”. Afirma que pensou em que verdades dizer aos fieis e optou por uma única verdade. “Mas que verdade será esta? Não gastemos tempo. A verdade que vos digo é que no Maranhão não há verdade”.
E conclui o sermão com um trocadilho canalha sobre o M de Maranhão. “M – murmurar; M- motejar; M- maldizer; M – malsinar; M – mexericar; e sobretudo M – mentir: mentir com as palavras, mentir com as obras; mentir com os pensamentos. Que de todos e por todos os modos aqui se mente.".
Os sermões de Vieira e as resoluções da Coroa, contrários aos interesses dos colonos, só pioravam a situação e o motim explodiu em São Luís em 1661, culminando com a expulsão do Padre Vieira, que passou a residir em Salvador e jamais retornaria à Ilha. E mesmo dali continuou a influenciar nos assuntos do Maranhão, com sermões e decisões régias.
Na revolta de Beckman, em 1684, teve participação crucial sobre os desdobramentos. Por causa de gestões do padre, Tomaz, irmão de Beckman, foi preso e condenado à morte. O líder acabou enforcado e os jesuítas retornaram à região, pouco depois. Vieira, de tudo ciente, comemorou os feitos.
Também bateu de frente com a Inquisão e, por conta de uma carta, em que defendia a tese de que o rei Dom João IV, já falecido, ressuscitaria para retomar o trono, foi processado pelo Santo Ofício, preso e proibido de pregar, o que o feriu no âmago.
Foi libertado em 1667, mas a pena de silêncio assumiu caráter perpétuo. Em Roma negociou com o Papa o perdão, obtendo-o em 1675. Já sem relevância na corte portuguesa, retornou à Bahia, onde viveu seus últimos dias. Morreu em 1697, em silêncio e exaurido.Que importava? Já havia entrado para a História.
No plano das letras a obra do Padre Vieira é tão vasta e valorosa que fica difícil situá-lo no universo literário, sem colocá-lo num pedestal. Já no contexto filosofo-cristão, ele próprio sugere uma nota no "Sermão da Sexagésima”. “Todos terão sua razão, mas tudo tem sua conta. Aos que têm a seara em casa, pagar-lhes-ão a semeadura; aos que vão buscar a seara tão longe, hão-lhes de medir a semeadura e hão-lhes de contar os passos. Ah Dia do Juízo!"
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Texto escrito com base no livro "A Grande Aventura dos Jesuítas no Brasil", de Tiago Cordeiro.