Com encerramento da rede social, milhões de
comunidades farão parte de acervo online mantido pelo Google
"Só
add com scrap". "Leio, respondo, e apago". "Topo dos
depoimentos". "Sou 80% legal, 90% confiável e 100% sexy". Se você
esteve na internet durante os anos 2000, provavelmente deve se lembrar dos
elementos acima, símbolos da era do Orkut. A "primeira rede social"
de muitos brasileiros vai fechar as portas amanhã, depois de 10 anos de
recadinhos, discussões em comunidades e depoimentos melosos.
Mas não
é o fim. A antiga rede social do Google está criando um acervo de comunidades,
onde ficarão guardados posts e discussões importantes para a história da
internet do País. "O arquivo preserva a memória do Orkut, registrando
fenômenos do Brasil como a ascensão da classe C e a inclusão digital",
declarou o Google Brasil em nota.
O
Estado teve acesso exclusivo ao acervo, que pretende ser uma reprodução do que
é o Orkut hoje, em seu último dia no ar. Ao todo, serão mais de 51 milhões de
comunidades, 120 milhões de tópicos e mais de 1 bilhão de interações
armazenadas no acervo.
Para
estar lá, basta que uma comunidade seja pública e esteja visível a qualquer um
- o que não é o caso da "Eu Odeio Acordar Cedo", maior comunidade do
Orkut (com 6 milhões de membros) que se tornou privada após ser vendida por R$
5 mil.
No
acervo, será possível entrar nas comunidades e ver o que foi discutido nelas,
mas os donos das postagens serão identificados apenas por seus nomes, sem fotos
ou links para perfis. Tal como num museu, será possível somente
"apreciar" o conteúdo. Para o Google, "o arquivo é uma cápsula
do tempo do início das redes sociais".
Além do
acervo, a empresa ainda criou uma ferramenta para que os usuários guardem seus
perfis, com fotos, recados e a descrição caprichada que muita gente usava para
impressionar os amigos (veja abaixo). O backup pode ser feito até setembro de
2016.
Fórum
Criada
em 2004 pelo turco Orkut Buyuykotten, a rede social foi popular até 2011,
quando foi superada pelo Facebook no Brasil, e passou ainda a ter um
"rival dentro de casa": o Google+, introduzido pela empresa naquele
ano para unir diversos serviços em um ambiente social. Ainda assim, o Orkut tem
seu público cativo até os dias de hoje: em junho de 2014, 4 milhões de brasileiros
usaram o site, segundo dados da ComScore.
"Nunca
parei de usar o Orkut, para espanto das pessoas ao meu redor", conta
Leonardo Bonassoli, criador da comunidade "Futebol Alternativo", que
discute temas como a terceira divisão do campeonato paranaense ou a rivalidade
entre as seleções da Romênia e Hungria. "Nós discutíamos o lado B do
futebol."
Já o
interesse em comum por notícias bizarras era o que unia os 80 mil membros da
"Anão vestido de palhaço mata 8", criada por Marcos Barbará. "O
Orkut era fantástico para conhecer pessoas, e as comunidades eram o auge disso.
Qualquer bizarrice encontrava eco lá", diz ele, que lançou um livro com o
título da comunidade, reunindo histórias como "americano açoita namorada
com atum" ou "Jesus aparece em banheiro e é vendido por US$ 2
mil".
Figurinha
As
comunidades não eram só ambientes de discussões, mas algumas delas eram apenas
veículo para piadas. É o caso da "Indiretas Já!" e da "Não vi
Beatles, mas vi Molejo", criadas pelo publicitário Bruno Predolin, dono de
715 comunidades.
"A
maioria das minhas comunidades eram como figurinhas, todas levadas para o
humor. Mas era parte do Orkut: se você queria conhecer alguém, as comunidades
serviam para mostrar quem a pessoa era", diz. Para ele, o que vai deixar
saudade é a comunidade Discografias, que reunia links para download de música
de forma ilegal, deletada em 2012. "Conheci muita coisa de música
brasileira ali", lembra. "O Orkut foi a iniciação digital de muita
gente", diz o rapaz, que chegou a receber R$ 500 por mês do canal pago HBO
para promover a emissora em seus grupos.
RG
digital
O
criador da "Indiretas Já" não foi o único a capitalizar com o sucesso
de suas comunidades no Orkut. O humorista Maurício Cid, hoje conhecido pelo
site de humor Não Salvo, começou sua trajetória digital criando comunidades
engraçadinhas, como a "Quando pisei parecia água viva". "Tive
mais de mil comunidades, usava o Orkut como o Twitter, só com piadas. Um dia o
Orkut excluiu meu perfil por causa de uma denúncia. Foi quando eu resolvi que
tinha que ter um site próprio", explica ele, que hoje tem mais de 2,4
milhões de fãs no Facebook e é referência em humor na web no País.
"O
Orkut era o RG digital do brasileiro", avalia o humorista, que acredita
que a plataforma do Google tinha muitas vantagens com relação ao Facebook.
"No Orkut, você ia atrás do conteúdo. O conteúdo não vinha te encher o
saco", comenta. Apesar de ficar triste com o fim da rede social, Cid
entende a decisão do Google. "Se um produto dá prejuízo, não tem porque
deixar no ar. É dinheiro em jogo."
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