Por José
Sarney
São Luís
é uma terra que bem merece ser chamada de Ilha do Amor. Melhor seria se
fosse do Amor Demais. Falo do amor a sua história e a sua gente, a seu espírito,
a sua beleza. Para parodiar Hemingway, que dizia que “Paris é uma Festa”,
eu diria que São Luís é um amor. É para mim uma terra de lembranças que estão
associadas a minha mocidade/juventude, já que são uma mesma coisa. Mocidade, o
tempo da vida, juventude, a vida do tempo em que descobrimos a alma, o
espírito, os pensamentos, as pessoas que definitivamente vão se incorporar ao
nosso universo sentimental.
Mas a São
Luís que está na minha alma, na saudade e na lembrança já não existe mais.
Mataram-na os anos em que o progresso criou outras cidades dentro da minha
cidade. Eu mesmo ajudei-a a desaparecer, quando construí a Ponte José
Sarney, que criou uma outra cidade, moderna, sem os paralelepípedos e as pedras
de cantaria, sem os sobradões e os azulejos, sem os mirantes e as moradas
inteiras, meia-moradas e porta-e-janelas, e sem os bondes, onde jogávamos os
primeiros olhares para as moças do nosso tempo, lindas nos seus uniformes de
saia azul e blusa branca.
Mas a
cidade não era a Ilha do Amor, era a Ilha Rebelde, rebelde pelas heranças do
passado que a fez resistir a todas as ocupações, dos franceses, dos holandeses
e dos portugueses, e a todos os governos, para ser uma cidade sem amarras, bem
brasileira, na miscigenação das raças, em que negras magras e elegantes tiveram
forte influência.
Falo da
cidade para falar da alegria do nosso povo, dos folguedos populares, do nosso
Carnaval — que até hoje resistiu às invasoras tendências de modernidade
para se manter autêntico e puro. Depois o São João, que copiaram da gente e em
que jamais serão o que nós somos.
E falar
de São João é falar de Junho, mês em que chegam os ventos gerais, em que
os dias vão se transformando de chuvosos para de sol aberto, e as noites são os
sotaques dos bois, do Bumba-Meu-Boi, em que se misturam os caboclos de
paus de fita, os índios de cabeças de pena, as “catirinas”, os
“pais-franciscos”, e, por fim, os “bois”, de couro, de miçangas e com figuras
religiosas bordadas por mãos de fada, como aquela “Neusa”, cantada nas toadas
de matraca e de pandeiros gigantes: “foi Neusa quem bordou”. E os cantadores,
heróis do nosso povo, que deixaram até provérbios como este: “como o Boi de
Tolentino, só fama”, quando a decadência chegava, ou com a velhice ou com a
perda do prestígio e beleza.
E ainda o
Tambor de Crioula, das saias rodadas e das “pungas sensuais”. Tudo isso
misturado com os fogos, os busca-pés, as danças e o trejeito das mulatas.
Entre
fogos e festas brincamos todos. Tribuzzi, Bogéa, Evandro, Luís Carlos, Sílvio,
Cadmo, Floriano, Figueiredo e eu passávamos a noite acompanhando, com matracas
na mão, o Boi da Maioba.
Junho,
Maranhão, festas e fogos.