Desde o início da década de 1970, os brasileiros têm comemorado o Dia da
Consciência Negra, em 20 de novembro. A data foi escolhida justamente por ter
sido o dia em que Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência negra ao regime
escravocrata, foi assassinado, em 1695. Seu objetivo é fazer refletir sobre a
inserção do negro na sociedade brasileira e sobre a questão da igualdade
racial.
Embora ainda não seja um feriado nacional, o Dia da Consciência Negra
têm estimulado centenas de municípios a decretarem feriado ou ponto
facultativo, a fim de comemorar e refletir sobre o significado deste dia. Em
2003, a data foi incluída no calendário escolar.
Além da festa e da lembrança histórica, a data foi idealizada para
marcar e abrir o debate sobre as políticas de ações afirmativas para o acesso
dos negros, ao que um Estado democrático de direito deve oferecer a todo e
qualquer cidadão: direito à educação (inclusive superior), à saúde, à justiça
social, entre outros aspectos. Mesmo que o mito da democracia racial brasileira
seja cantado em verso e prosa por todos os cantos desse mundo domesticado, pelo
pensamento politicamente correto, precisamos ter consciência de que as feridas
abertas por três séculos pelo regime escravocrata no Brasil ainda precisam ser
sanadas verdadeiramente; assim como o déficit social e a carga de preconceito
que o rastro desse longo período deixou.
Neste especial, veremos como e por que o Dia da Consciência Negra foi
criado. Além disso, falaremos sobre a vida e trajetória de Zumbi dos Palmares;
sobre os quilombos e as comunidades quilombolas; sobre a cultura
afro-brasileira na educação e quais são os municípios brasileiros que
decretaram feriado nessa data.
O idealizador do Dia Nacional da Consciência Negra foi o poeta,
professor e pesquisador gaúcho Oliveira Silveira (1941 - 2009). Ele era um dos
fundadores do Grupo Palmares, que reunia militantes e pesquisadores da cultura
negra brasileira, em Porto Alegre.
Em 1971 (mesmo ano de fundação do grupo), ele propôs uma data que
comemorasse a tomada de consciência da comunidade negra sobre seu valor e sua
contribuição ao país. Escolheu o dia 20 de novembro, por ser o possível dia da
morte de Zumbi dos Palmares, que ocorreu em 1695. Era era muito mais significativo
e emblemático do que comemorar o dia 13 de maio, Dia da Abolição da
Escravatura, quando o regime escravocrata estava falido e não havia mais como
se manter. Abordamos melhor os aspectos históricos que levaram ao fim da
escravidão e suas conseqüências imediatas no tópico seguinte.
O 20 de novembro foi celebrado pela primeira vez naquele mesmo ano de
1971. A ideia se espalhou por outros movimentos sociais de luta contra a
discriminação racial e, no final dos anos 1970, já aparecia como proposta
nacional do Movimento Negro Unificado. De lá para cá, a data tem motivado a
promoção de fóruns, debates e programações culturais sobre o tema em todo o
país.
Vale lembrar que em 1888, quando a Lei Áurea foi assinada, o Brasil era
um dos últimos países no mundo a abolir a escravidão. Eternizada no tempo (e
nas cartilhas escolares), como uma liberdade concedida de forma paternalista
pela princesa Isabel, a abolição foi, sobretudo, uma consequência natural para
anos de atuação e luta de escravos, libertos, intelectuais, jornalistas negros
e mestiços, em prol de seus próprios direitos.
Antes mesmo de 1888, a escravidão vinha dando sinais de declínio. Um
pouco devido às medidas do governo imperial, que na verdade, pouco tinham de
efetivas. A Lei do Ventre Livre - de 1871 - que declarava livres os filhos de
mulher escrava nascidos após a lei. Porém, a criança ficava com a mãe até os 8
anos de idade e, a partir daí, o senhor podia optar entre ficar com ela até que
ela completasse 21 anos, ou entregá-la ao Estado mediante uma indenização. Na
realidade, poucas crianças foram entregues ao Estado, que não indenizava
corretamente quem as entregava. No final das contas, grande parte ficava
prestando serviços aos senhores até a maioridade. Outra lei foi a dos
Sexagenários (ou Lei Saraiva-Cotegipe), de 1885, que concedia liberdade aos
escravos maiores de 60 anos. O detalhe é que poucos escravos conseguiam chegar
à essa idade.
O regime escravocrata foi perdendo força graças à crescente atuação do
movimento abolicionista e ao próprio desinteresse de algumas províncias em
manter tal sistema. O Ceará, por exemplo, declarou a extinção da escravidão em
1885, por conta própria. Neste período, era cada vez mais crescente as fugas em
massas de escravos. A elite cafeeira paulista, pressentindo o final do
escravismo, apressou os planos para iniciar a imigração.
A Lei Áurea que simplesmente declarava “extinta desde a data desta lei a
escravidão no Brasil” (em apenas dois artigos), não atendia a vida pós-escravidão.
Não havia políticas públicas que abrangessem alimentação, moradia, educação,
emprego ou qualquer outra reparação de anos e anos de sofrimento. Essa “falta
de visão” de nossos governantes daria brecha a muitas discriminações e
desigualdades, sentidas até hoje. Oliveira Silveira - o idealizador do Dia da
Consciência Negra - escreveria em seu poema “Dia da Abolição da Escravatura” o
seguinte verso: “Treze de maio traição, liberdade sem asas e fome sem pão”.
Segundo o historiador Boris Fausto, o destino dos ex-escravos variou de
acordo com a região do país. No Nordeste, a maioria transformou-se em
dependentes dos grandes proprietários. No Vale do Paraíba, muitos viraram
parceiros nas fazendas decadentes e, mais tarde, pequenos sitiantes ou peões
para cuidar do gado. No centro urbano de São Paulo, os empregos estáveis
acabaram ficando com os imigrantes, deixando aos ex-escravos somente os
serviços irregulares e mal pagos. Já no Rio de Janeiro, cuja carga de
imigrantes foi menor, os ex-escravos tiveram oportunidades melhores pois, antes
mesmo da abolição, muitos já trabalhavam nas oficinas artesanais e manufaturas.
Diz ainda Fausto: “apesar das variações de acordo com as diferentes
regiões do país, a abolição da escravatura não eliminou o problema do negro. A
opção pelo trabalhador imigrante, nas áreas regionais mais dinâmicas da
economia, e as escassas oportunidades abertas ao ex-escravo, em outras áreas,
resultaram em uma profunda desigualdade social da população negra. Fruto em
parte do preconceito, essa desigualdade acabou por reforçar o próprio
preconceito contra o negro. Sobretudo nas regiões de forte imigração, ele foi
considerado um ser inferior, perigoso, vadio e propenso ao crime; mas útil
quando subserviente”.
QUEM FOI ZUMBI DOS PALMARES
Zumbi entrou para a história do Brasil como símbolo da resistência negra
contra a escravidão e como o último chefe do Quilombo dos Palmares, um dos mais
emblemáticos quilombos da época colonial.
Ele nasceu em 1655, na região de Palmares (Estado de Alagoas). Apesar de
ter nascido livre, foi capturado pela expedição de Brás da Rocha Cardoso
(capitão mor do que seria, hoje, o Estado de Sergipe), aos seis ou sete anos de
idade apenas. Foi entregue ao padre Antônio Melo, em Porto Calvo, sendo
batizado com o nome de Francisco. Aprendeu português e latim, foi iniciado na
religião católica e chegou a auxiliar na celebração de missas, como coroinha.
Porém, aos 15 anos, resolveu que seu destino era voltar para onde havia nascido
e viver como seus iguais no quilombo. Fugiu para Palmares e adotou o nome de
Zumbi, que tem significados variados (guerreiro, morto-vivo, espírito presente,
entre outros). Acredita-se ainda que o nome tenha vindo mesmo de “Nzumbi”,
título que os bantos, um povo africano, atribuíam ao líder militar e religioso.
O primeiro grande chefe do Quilombo dos Palmares foi Ganga Zumba, tio de
Zumbi. Ele chegou a assinar, em 1678, um acordo de paz com o governo de
Pernambuco. Zumbi e seus partidários não concordaram com esse tratado, dando
início a uma guerra interna. O final do conflito veio com a morte de Ganga
Zumba, envenenado por um dos partidários de seu sobrinho. Com isso, Zumbi
tornou-se líder dos palmarinos, chefiando a resistência contra os portugueses.
O Quilombo dos Palmares estava localizado na Serra da Barriga, hoje
região que pertence ao município de União dos Palmares. Foi um dos maiores
quilombos já existentes. Alguns estudiosos acreditam que o seu surgimento tenha
ocorrido entre 1597 e 1580, quando alguns escravos fugiram de engenhos de
açúcar, localizados no litoral de Pernambuco. Com o tempo, o quilombo foi
atraindo cada vez mais escravos que fugiam de seus senhores, cujos engenhos
foram se desagregando devido às invasões holandesas no Nordeste, no período de
1624 a 1654. Além dos ex-escravos negros, Palmares abrigava mestiços, índios e
brancos pobres e/ou marginalizados.
Muitos especulam que na década de 1670, a população de Palmares tenha atingido
aproximadamente 20 mil habitantes, dividida em dez comunidades. A maior delas -
Macaco - fazia o papel de capital, pois era o centro político e concentrava o
maior número de habitações (cerca de 1.500). As outras comunidades tinham nomes
como Subupira, Zumbi, Tabocas.
A Coroa portuguesa e o poder colonial tentaram dar fim ao quilombo por
diversas vezes. Oficialmente, foram organizadas 16 expedições, sendo 15
fracassadas devido às condições da localização geográfica do quilombo - região
montanhosa-, e da grande habilidade em estratégia militar de Zumbi e seus
quilombolas.
A última expedição, comandada pelo bandeirante paulista Domingos Jorge
Velho, conhecido caçador de índios, foi a última e vitoriosa tentativa de
acabar com Palmares. Para isso, ele ganhou plenos poderes, dinheiro (muito, por
sinal) e perdão pelos crimes passados e futuros. Seu primeiro ataque, em 1692,
fracassou; mas dois anos depois ele voltou com um contingente enorme de homens
e de munições. O quilombo resistiu por 22 dias, mas foi derrotado em 6 de
fevereiro de 1694.
Zumbi fugiu, mas um de seus companheiros o delatou, sob tortura. O líder
dos Palmares foi encontrado em uma emboscada, na Serra Dois Irmãos, e morto em
20 de novembro de 1695. Não se sabe se ele foi assassinado ou se cometeu
suicídio. Sua cabeça foi cortada e exibida em um poste em Recife. Após séculos,
sua história e sua coragem foram transformadas em símbolos para a comunidade
afro-brasileira.
O QUE ERAM OS QUILOMBOS E O QUE SÃO AS COMUNIDADES
QUILOMBOLAS
Quilombos eram redutos, afastados dos centros urbanos, que reuniam
principalmente ex-escravos negros que fugiam de seus senhores em busca de
liberdade. Eventualmente, alguns índios e brancos pobres também habitavam os
quilombos.
Geralmente, localizavam-se em locais de difícil acesso, como no meio de
matas ou em montanhas. Seus habitantes, chamados “quilombolas”, formavam
comunidades que buscavam manter suas tradições religiosas e culturais; alguns
chegavam a reproduzir a organização social africana. Sobreviviam por meio da
pesca, da caça, da coleta de frutas e da agricultura; também praticavam o
comércio dos excedentes com as populações ao redor.
Houve quilombos de diversos tamanhos, alguns pequenos, com apenas vinte
ou trinta habitantes, e outros grandes, com centenas ou milhares de habitantes.
Na época colonial, o Brasil chegou a ter centenas destas comunidades
espalhadas, principalmente, pelos atuais estados da Bahia, Pernambuco, Goiás,
Mato Grosso, Minas Gerais e Alagoas. Este último foi refúgio do mais célebre de
todos: o Quilombo dos Palmares.
Muitos quilombos sobreviveram e permaneceram ativos, mesmo após a
abolição da escravatura, graças ao difícil acesso de suas localizações. Grande
parte dessas comunidades está situada em estados das regiões Norte e Nordeste.
São as chamadas comunidades quilombolas, cujos habitantes são descendentes dos
antigos escravos negros. Por terem se mantido mais isolados, acabam por
apresentar as tradições culturais, sociais e religiosas como nos séculos
passados.
As comunidades quilombolas são definidas como grupos étnico-raciais, com
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas e
com ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida conforme o Decreto Federal nº 4.887, de 20 de novembro de 2003.
Essas comunidades possuem direito de propriedade de suas terras, consagrado
desde a Constituição Federal de 1988.
Atualmente, existem mais de 1.500 comunidades quilombolas espalhadas
pelo território nacional, certificadas pela Fundação
Palmares, vinculado ao Ministério da Cultura, cuja finalidade é
promover e preservar a cultura afro-brasileira.
O Dia da Consciência Negra não é um feriado nacional, mas existe um
projeto de lei em tramitação (na verdade, o Substitutivo da Câmara dos
Deputados aoProjeto de Lei do Senado nº 520 de 2003), que
declara a data como feriado nacional. Ele foi aprovado em outubro de 2011e até agora está à espera da sanção da Presidência.
Enquanto a data não é comemorada em todo o território nacional
oficialmente, cabe aos municípios decretarem ou não feriado ou ponto
facultativo neste dia. O Rio de Janeiro foi o primeiro município a instituir o
feriado (desde 1995). Por ora, quatro Estados da União decretaram feriado
estadual: Alagoas, Amapá, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. No Mato Grosso
do Sul, o feriado estadual foi derrubado pelo Tribunal de Justiça do Estado, em
outubro de 2011, considerando-o anticonstitucional, sob a argumentação de que
esta lei interfere nas relações trabalhistas, que seria uma competência da
União.
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