Nevando
em Bali, livro que expõe em detalhes o submundo das drogas na mais famosa ilha
do arquipélago que forma a Indonésia, chama a atenção não apenas pela descrição
da mistura de crime e hedonismo no paraíso turístico que recebe mais de 2 milhões
de visitantes por ano.
Muitos dos
traficantes entrevistados pela escritora e jornalista australiana Kathryn
Bonella para o livro eram brasileiros. Entre eles, Marco Archer, que no último
sábado se tornou o primeiro brasileiro executado no exterior.
Para Bonella, no
entanto, o mais significativo foi o fato de Archer ter sido também o primeiro
ocidental a receber a pena de morte na Indonésia.
"Bolha"
Para a australiana, a
morte estourou o que ela chama de "bolha da fantasia" para os
brasileiros envolvidos com o tráfico no país.
"A morte de
Marco foi decididamente o que se pode chamar do fim de uma fase. Sempre se
soube que o tráfico na Indonésia é punido com a pena de morte, mas as
autoridades indonésias jamais tinham ido até o fim na punição a
ocidentais", afirma Bonella, em entrevista à BBC Brasil.
"Ao mesmo tempo
que isso não vai acabar com o tráfico em Bali, eu imagino que muitos
brasileiros vão pensar duas vezes diante da próxima oportunidade de
contrabandear drogas para a Indonésia. Mas duvido que isso vá durar para
sempre. Há uma grande demanda por drogas em Bali, é um lugar para onde turistas
do mundo inteiro vão para se divertir sem os mesmos limites vistos na maioria
dos lugares do mundo."
"Rafael",
um dos traficantes brasileiros mais ativos em Bali, tinha uma mansão que
contava com um trampolim para pular do quarto à piscina
Para Bonella, a
frequência com que encontrou brasileiros envolvidos com o tráfico na Indonésia
- de transportadores de droga a ricos intermediários entre os grandes barões -
é explicada pelo perfil da maioria dos viajantes do país para o arquipélago.
"Os brasileiros
que encontrei tinham basicamente o mesmo perfil. Eram surfistas que viram no
tráfico, em especial de cocaína, uma chance de se manter em Bali e viver uma
vida de fantasia, pegando ondas, indo a festas e encontrando belas mulheres. A
proximidade do Brasil com os mercados produtores de cocaína na América do Sul
ajuda no acesso à droga. E, ao contrário dos habitantes de muitos países, os
brasileiros viajam normalmente pelo mundo", argumenta Bonella.
Perfil diferenciado
Outro fator que
diferencia os traficantes brasileiros que a australiana encontrou na Indonésia
é o perfil social.
"Eles eram todos
de classe média, com escolaridade e conhecimento razoável de inglês. Entraram
no tráfico pela curtição, não por uma necessidade econômica. Queriam viver
tendo do bom e do melhor. Bem diferentes das 'mulas' (transportadores de droga),
que recebem pouco dinheiro para muito risco. Um dos brasileiros que conheci em
Bali podia ganhar uma fortuna com uma viagem bem-sucedida", conta a
australiana.
Um dos grandes
exemplos foi um carioca conhecido como "Rafael", um surfista que
durante anos foi uma das principais engrenagens no tráfico de cocaína em Bali e
que não fazia muita questão de esconder seus lucros: dava festas homéricas em
sua mansão à beira-mar, onde uma das atrações era um trampolim do qual ele
saltava de seu quarto diretamente para a piscina.
A pena capital para o
tráfico não impediu a Indonésia de concentrar a circulação e o uso de drogas no
Sudeste Asiático
Bonella esteve na
Indonésia no fim de semana e acompanhou através da mídia e de relatos de
contatos a execução de Marco Archer. Embora faça questão de criticar a opção do
brasileiro pelo tráfico, a australiana disse ter ficado chocada com o desfecho
de um dos personagens mais citados em Nevando em Bali - numa das passagens,
Bonella conta que Archer dominava o fornecimento de maconha em Bali e tinha até
registrado a marca de um tipo de erva que vendia, a Lemon Juice.
"Visitei Marco
na prisão durante a pesquisa para o livro. Sabia o que ele estava fazendo e de
maneira nenhuma endosso o tráfico. Mas ele era carismático e até cozinhou na prisão
para mim, e parecia ter muitos amigos na Indonésia, pois recebi uma série de
mensagens lamentando sua morte. Sou pessoalmente contra a pena capital, em
especial a tortura psicológica que foi Marco ter vivido mais de dez anos com a
possibilidade de execução pairando sobre sua cabeça."
Surfistas
brasileiros, segundo Bonella, usaram o tráfico como forma de manter um estilo
de vida confortável na Indonésia
Numa das visitas,
Bonella foi apresentada a Rodrigo Gularte, o outro brasileiro condenado à morte
e cuja execução poderá ocorrer ainda este ano. Foi no livro da australiana que
veio à tona uma suposta tentativa de suicídio do brasileiro após o anúncio da
sentença, em 2005.
"Não pude
comprovar, mas me pareceu claro que Rodrigo tinha sido afetado de maneira bem
diferente de Marco", disse.
'Mais perigoso'
A australiana disse
não acreditar que a pressão internacional sofrida pela Indonésia nos últimos
dias, inclusive com a retirada dos embaixadores de Brasil e Holanda (que também
teve um cidadão executado no fim de semana), poderá mudar o destino do
brasileiro e dois australianos também no corredor da morte.
"Não me parece
que os protestos vão alterar a política de Joko Widodo (o presidente da
Indonésia). Há um forte sentimento antidrogas entre a população local",
avalia.
"Os traficantes
devem estar assustados, mas o tráfico não vai parar. Há muita demanda, até
porque a Indonésia é usada como centro de distribuição das drogas para outros
países asiáticos e mesmo a Austrália. Só que agora os envolvidos sabem que a
situação ficou ainda mais perigosa", opina Bonella.
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