Por
Diogenes Campanha/Folha de São Paulo
Após
ter sido impedida por policiais militares de entrar na FMRB (Fundação da
Memória Republicana Brasileira), que administra o acervo do ex-presidente José
Sarney (PMDB) no Maranhão, a presidente do órgão, Anna Graziela Costa,
renunciou ao cargo nesta quarta-feira (21).
A
entidade está no centro de uma disputa entre o governador Flávio Dino (PC do B)
e aliados do peemedebista, o que levou ao fechamento do museu na sexta (16).
Ex-secretária
da Casa Civil no governo Roseana Sarney (PMDB), filha do ex-presidente, Anna
Graziela disse que foi nesta quarta à sede da fundação porque o presidente do
conselho curador, Benedito Buzar, havia convocado reunião sobre o futuro do
órgão.
Ela
afirmou ter encontrado três policiais militares armados na entrada do Convento
das Mercês, prédio de 1654 no centro de São Luís, onde fica o museu. Contou
ainda que um helicóptero do grupo tático sobrevoava o local.
Um
tenente lhe disse que havia recebido “ordens do comando geral” para que ninguém
entrasse na fundação e recomendou que Anna Graziela falasse com o comandante da
companhia, afirmou ela, que filmou um trecho de sua conversa com o policial.
“Liguei
para o coronel Alves [comandante-geral da PM], que disse que a ordem era do
governo do Estado e que eu deveria telefonar para o secretário de Segurança.”
Em
nota, o governo disse que Anna Graziela tem “total acesso às dependências da
FMRB” e que medidas de segurança precisaram ser tomadas porque o ex-diretor
financeiro do órgão foi identificado no local fora do horário de expediente, na
terça (20).
Segundo
a gestão Flávio Dino, esse servidor estava “manuseando computadores e
documentos” e, no dia anterior, funcionários teriam retirado quadros sem
autorização.
Anna
Graziela disse que o ex-diretor financeiro, Jorge Luís Moura Nascimento Filho,
estava na fundação na terça para escanear documentos que precisam ser enviados
para a prestação de contas do órgão.
Sobre
a retirada de quadros, declarou “achar improvável que isso tenha acontecido” e
afirmou que o atual governo está tentando criar “factóides”.
A
FMRB é uma estatal criada por Roseana em 2011. Nesta semana, Dino instituiu uma
comissão para discutir novos rumos para a entidade, que, segundo o governador,
não pode utilizar um bem público para “guardar o patrimônio de uma família”.
Também
nomeou um administrador para o convento.
Na
carta de renúncia, Anna Graziela defendeu sua gestão e disse que a FMRB “se
tornou maior do que as querelas e disputas da política adulterada pela vileza
humana”.
Leia a carta de renúncia da ex-presidente:
Ilustríssimo
escritor e acadêmico Benedito Buzar,
(Presidente
do Conselho Curador desta instituição)
Nos
últimos três anos, neste monumento que abriga parte significativa da história
do Maranhão e do Brasil, cujas primeiras edificações datam de 1654, dediquei
todas as forças de minha juventude para fazer desta Fundação da Memória
Republicana Brasileira uma instituição que se tornou maior do que as querelas e
disputas da política adulterada pela vileza humana.
Aqui
presenciei cenas que mudaram por completo minha minguada compreensão em torno
da vida e dos desafios que a vontade de fazer enfrenta, atada às
responsabilidades de um cargo público. Não foram poucas as vezes em que,
acompanhada da minha incansável equipe, tive meu ímpeto juvenil derrotado por
lágrimas que triunfavam sobre minha face, ao conhecer de perto a realidade
deste bairro abençoado por Nossa Senhora do Desterro. Nem foram raras as
ocasiões em que fui condecorada com sorrisos e abraços de crianças que
reerguiam as minhas forças e me impulsionavam a prosseguir a jornada.
No
entanto, na data de hoje, comunico aos senhores sobre a impossibilidade de
continuar a presidir esta instituição. O meu gesto decorre da mais absoluta
humildade em reconhecer as palavras do Eclesiastes:
“há
um tempo para todo o propósito e para toda a obra”.
O
tempo e as circunstâncias encerram aqui a minha obra.
Após
21 dias, nenhuma definição oficial foi tomada sobre as novas finalidades desta
Fundação. Transcorridas as primeiras duas semanas do ano, e sem nenhum
comunicado oficial do novo governo, tomei conhecimento em uma entrevista
concedida a um veículo da imprensa nacional acerca da intenção do governador do
Estado, Flávio Dino, de privatizar este órgão. Em seguida, novamente lendo os
jornais e as mensagens da Internet, soube que o órgão não seria mais
privatizado e que voltaria a funcionar, mesmo com todos os nossos funcionários
exonerados desde o dia 2 de janeiro e, trabalhando sem nenhuma perspectiva de
receber algum salário, até a última sexta-feira, dia 16.
Em
reunião realizada, na segunda-feira, 19, fui interpelada por secretários de
Estado que tinham como objetivo principal investigar se existe neste órgão
“culto à personalidade do ex-presidente José Sarney”, quando os milhares de
visitantes que aqui vinham todos os dias são testemunhas da existência de
apenas um corredor, no Convento das Mercês, abrigando objetos e informações
referentes ao único e fundamental período em que o Brasil foi governado por um
maranhense. Lamentavelmente, não houve compreensão e interesse sobre os
programas, as ações culturais e educativas que representam a importante
contribuição social deste órgão. Neste dia, fui mais uma vez surpreendida pela
cena em um telejornal sobre a possibilidade de que este lugar fosse
transformado em um Memorial das Vítimas da Ditadura Militar.
Ontem,
dia 20 de janeiro de 2015, também não recebi nenhum comunicado de que o
governador havia nomeado um administrador para a Fundação da Memória
Republicana Brasileira. Hoje, dia 21 de janeiro, em um ato de inequívoca
arbitrariedade, fui impedida por policiais militares de cumprir meu expediente
de trabalho, ao arrepio da lei.
Diante
dos fatos acima citados e por reconhecer, como advogada e cidadã, que mesmo
diante de uma determinação da Lei nº 9.479 de 21 de outubro de 2011, não posso
mais exercer as minhas atribuições legais é que renuncio a esta Presidência.
Neste
lugar, onde o maior orador sacro da Língua Portuguesa, o Padre Antônio Vieira,
proferiu o Sermão a São Pedro Nolasco, quero expor uma razão ainda maior,
aquela que me move a existência. Do magistral pregador, repito as palavras:
“Nós
somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos nos
dias em que fazemos. Nos dias em que não fazemos apenas duramos.”
Por
absoluta impossibilidade de continuar a fazer. Por escolher o existir –
justificado e enobrecido unicamente pelo fazer – é que renuncio agora à
Presidência desta honrada Fundação.
São
Luís, 21 de janeiro de 2015.
Anna
Graziella Santana Neiva Costa
Leia a nota do governo sobre o acesso de Anna Graziela à
fundação:
Sobre
o acesso da presidente da Fundação da Memória Republicana Brasileira (FMRB),
Ana Graziella Neiva, às dependências do prédio público do Convento das Mercês,
a Secretaria de Estado da Cultura esclarece que:
1.
A presidente da FMRB tem total acesso às dependências da sede da Fundação;
2.
A guarda policial adotou medidas de segurança após identificar a presença do
senhor Jorge Luís Moura Nascimento Filho (ex-diretor Financeiro da FMRB) nas
dependências da fundação, fora do horário de expediente, às 20h, da última
terça-feira, manuseando computadores e documentos;
3.
Tal episódio foi relatado pelo tenente da PM, Edmilson, comandante da guarda do
prédio, que relatou ainda ter ocorrido movimentação de servidores retirando
quadros sem a devida autorização, na noite da última segunda-feira, 19;
4.
Em face destes fatos, as medidas de reforço da segurança foram necessárias.
Contudo, o Governo do Estado designou comissão para dialogar com os dirigentes
da FMBR para a imediata normalização das atividades da Fundação.
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