A
edição da revista francesa Charlie
Hebdo publicada após o atentado em que militantes islâmicos mataram
oito de seus funcionários foi lançada em seis idiomas, entre eles árabe e
turco.
Mas, enquanto a
versão em árabe se restringiu à internet, o diário turco Cumhuriyet, jornal de
esquerda e alinhado com políticos da oposição secular, dedicou quatro páginas à
nova edição da revista francesa.
Assim, a Turquia
tornou-se o único país muçulmano em que foram publicadas as charges da Charlie Hebdo.
O jornal reuniu o que
chamou de "seleção especial" de caricaturas, mas deixou de fora a
capa da edição francesa que trazia um desenho do profeta Maomé.
No entanto, dois de
seus colunistas, Ceyda Karan e Hikmet Çetinkaya, publicaram a imagem da capa no
topo de suas colunas, em um tamanho bem menor do que o original.
O Cumhuriyet informou que a
polícia turca realizou uma batida em sua gráfica na noite de terça-feira, mas
que a distribuição do jornal foi permitida depois que os policiais tiveram
certeza de que nenhuma charge envolvendo Maomé estava na seleção feita pelo
diário.
O jornal diz ter
recebido várias ameaças e que seus escritórios foram colocados sob proteção
policial.
Os dois colunistas
justificaram o uso da capa da Charlie
Hebdo com Maomé dizendo ser preciso defender a separação entre
religião e Estado e que a liberdade de expressão no país está em declínio sob o
atual governo.
A decisão dos
colunistas gerou muitas críticas nas redes sociais.
A hashtag #ÜlkemdeCharlieHebdoDağıtılamaz
("não à distribuição da Charlie Hebdo em meu país", numa tradução
livre) foi parar entre os dez assuntos mais comentados no Twitter em todo o
mundo.
Críticos do jornal
questionam se a publicação estaria disposta a "ridicularizar" Kemal
Ataturk, o fundador secular da Turquia moderna, que é protegido por uma
controversa lei antidifamação, vista por muitos turcos muçulmanos islâmicos
como uma forma de censura.
A
revista francesa Charlie
Hebdo publicou uma nova charge do profeta Maomé em sua primeira
edição após o trágico ataque a sua redação em Paris, realizado por extremistas
islâmicos que disseram estar "se vingando pelo profeta" depois que
charges parecidas apareceram na publicação.
POR QUE AS
CHARGES DE MAOMÉ CAUSAM TANTA REVOLTA?
A nova capa mostra
Maomé derramando uma lágrima e segurando um cartaz em que se lê "Eu sou
Charlie", uma mensagem de solidariedade às vítimas. A imagem vem
acompanhada da frase "Tudo é perdoado".
A edição especial -
com tiragem recorde aumentada para 5 milhões - gerou críticas de líderes
islâmicos e novas ameaças de morte contra seus funcionários, como ocorreu com
um jornal dinamarquês em 2005 depois de serem publicadas charges satirizando
Maomé.
Mas por que charges
desse tipo podem ser consideradas tão ofensivas?
O que diz o Corão
Não há no texto
sagrado dos muçulmanos uma proibição de que sejam retratados o profeta Maomé ou
Alá, o deus islâmico.
No entanto, o verso
11 do capítulo 42 do Corão diz: "(Alá é) o criador dos céus e da
terra...(não há) nada semelhante a Ele".
Isso é interpretado
por muçulmanos como uma mensagem de que Alá não pode ser retratado em uma
imagem feita por mãos humanas, dada sua beleza e grandeza.
Leia mais: Demanda
amplia para 5 milhões tiragem da 'Charlie Hebdo'
Tentar fazer isso é
considerado um insulto a Alá. O mesmo é aplicado a Maomé.
Os versos 52, 53 e 54
do capítulo 21 ainda afirmam: "Abraão disse a seu pai e a seu povo: 'O que
são estas imagens a cuja adoração você se apega?' Eles disseram: 'Encontramos
nossos pais as adorando'. Ele disse: 'Certamente, você e seus pais vêm
comentendo um erro'".
Daí vem a crença
islâmica de que imagens levam à idolatria - no sentido de que uma imagem, e não
o ser divino que ela representa, passa a ser o objeto de adoração e veneração.
O que diz a tradição islâmica
O Hadith - histórias
das palavras e ações de Maomé e seus Companheiros - explicitamente proíbe
imagens de Alá, Maomé e todos os principais profetas do cristianismo e o
judaísmo.
De forma mais ampla,
a tradição islâmica desencoraja a retratação figurativa de criaturas vivas,
especialmente seres humanos.
Por isso, a arte
islâmica tende a ser abstrata ou decorativa.
A tradição islâmica
sunita é bem menos severa quanto a isso. É possível encontrar reproduções de
imagens do profeta, produzidas principalmente em persa no século 7.
Como se deu a polêmica em torno das charges
Houve grandes
protestos no mundo islâmico em 2005 depois que o jornal dinamarquês Jyllands-Posten publicou
12 charges de Maomé junto com um editorial que criticava a autocensura.
Algumas delas
pareciam ser deliberadamente provocativas. Uma mostrava Maomé carregando na
cabeça, em vez de um turbante, uma bomba com o pavio aceso e uma inscrição da
declaração de fé muçulmana.
Muitos muçulmanos
viram as charges como uma mostra de uma crescente hostilidade e medo na Europa
contra adeptos do islamismo.
A retratação de Maomé
e de muçulmanos em geral como terroristas foi considerada particularmente
ultrajante.
Em 2011, a sede da Charlie Hebdo foi alvo de
um ataque a bomba depois de ter mudado seu nome para "Charia Hebdo" -
um trocadilho com "Sharia", ou lei islâmica - em uma edição em que
convidava Maomé para ser seu editor-chefe.
No ano seguinte, a
revista publicou uma edição com diversas charges que mostravam Maomé nu,
enquanto ocorria no mundo uma revolta generalizada com o lançamento de um filme
antiislã.
Um trailer do filme, Inocência dos Muçulmanos,
colocado no YouTube, provocou uma série de protestos e episódios de violência
em vários cantos do mundo, que, por sua vez, deixaram dezenas de mortos.
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