Marco
Archer e Rogério Paez se conheceram mais de 20 anos atrás. O primeiro era
praticante de voo livre e morador de Ipanema; o segundo, surfista de Niterói.
Conviveram pouco, tinham amigos comuns. Em 2006, reencontraram-se de maneira
trágica e improvável: em um presídio na Indonésia, país que amavam até então.
Archer já estava no corredor da morte. Para além da tristeza, a morte do amigo,
por fuzilamento, no sábado, trouxe serenidade a Paez, que ficou oito anos
encarcerado pelo porte de 3,8 gramas de haxixe - acabou libertado em
2011.
“Foi melhor morrer do
que ficar apodrecendo lá: era tudo o que ele não queria”, disse, nesta
segunda-feira, em entrevista dada na sala do apartamento da família, de frente
para a praia de Icaraí, o ponto mais nobre de Niterói (seu pai era dentista
bem-sucedido e se elegeu vereador).
“Uma vez, Marco pediu
ao diretor para matá-lo no dia seguinte, já que o caso não teria perdão. Ele
respondeu, com um sorriso cínico, que adoraria, mas que o presidente ainda não
tinha dado a ordem. Em uma prisão em que estavam donos de laboratório de drogas
sintéticas e reis da heroína, era peixe pequeno.”
Quando foi preso,
Paez, engenheiro civil por formação, músico por diletantismo e viajante por
vocação (morou 35 anos fora do País, trabalhando e pegando onda), estava
estabelecido com uma namorada em Bali, paraíso dos surfistas. Ele voltava da
praia quando foi parado em uma blitz. Policiais encontraram o haxixe, que seria
para uso pessoal, em seu bolso.
Ludibriado por um
advogado oportunista, contou, ele foi condenado, e o caso acabou agravado por
agressão a um policial e uma tentativa de fuga. Archer era o companheiro de
cadeia mais próximo desde que foram transferidos para a Ilha de Nusakambangan -
onde iria se dar a execução.
Mesmo presos no
corredor da morte, segundo Paez, podem passar o dia fora das celas, praticar
esportes e ver TV a cabo (mediante suborno).
Ele lembra que o
estado de espírito do carioca era oscilante. Por vezes, refugiava-se na
metanfetamina, droga sintética que comprava de guardas corruptos, para escapar
da realidade. “Era um cômico, se vestia de mulher, botava maquiagem, fazia todo
mundo rir.”
Já Rodrigo Gularte,
paranaense condenado à morte por tráfico internacional, com quem também
conviveu (entrou em Jacarta com 6 quilos de cocaína escondidos em pranchas de
surfe, em 2004, e pode ser executado em breve), tinha dias mais sombrios. “Ele
se isolou em uma bolha, não se relacionava com ninguém. É uma forma de se proteger
daquela escória.”
O sono
de Paez, que vende produtos cultivados na fazenda do irmão e aluga imóveis para
veranistas, se tornou tortuoso desde a cadeia e piorou com as notícias sobre a
execução de Archer. Ele não se conforma com as contradições da Indonésia quanto
à venda e uso de drogas. “Nada na Indonésia faz sentido. Quem vende a droga é a
polícia. Na maior boate de Bali te oferecem ecstasy. Na cadeia, tem todas as
drogas. E, se o preso tiver dinheiro, pode conseguir de tudo”, contou o
niteroiense, que dispunha de um laptop e internet, e mantinha um site - suas
histórias devem sair em livro, de nome Sexo, drogas e compaixão, que contará
como o budismo amenizou a experiência na prisão.
Liberdade. Archer morreu aos 53
anos; Paez faz 60 em dezembro. Ele aprecia cada vez mais a liberdade. “Dou mais
valor a tudo na vida. Quero desencorajar qualquer jovem que esteja pensando em
usar droga e dizer que não leva a nada. A família do Marco era rica, ele não
precisava disso.”
Paez e outros amigos
de Archer, ou Curumim, apelido pelo qual era chamado em Ipanema, onde cresceu,
estão em contato com a tia dele, Maria de Lourdes Archer, única parente próxima
viva (pais e irmão morreram), para que parte de suas cinzas seja jogada no mar
do Arpoador, que ele frequentava.
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