Sergio Moro autorizou grampo em telefone central de escritório, que foi colocado em pedido do MPF junto de números de empresa de palestras do ex-presidente Lula |
O juiz federal Sergio Moro não quebrou o sigilo telefônico
apenas de Roberto Teixeira, advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, mas também do telefone central da sede do escritório dele, o Teixeira,
Martins e Advogados, que fica em São Paulo. Com isso, conversas de todos os 25
advogados da banca com pelo menos 300 clientes foram grampeadas.
A interceptação do número foi conseguida com uma dissimulação do
Ministério Público Federal. No pedido de quebra de sigilo de telefones ligados
a Lula, os procuradores da República incluíram o número do Teixeira, Martins e
Advogados como se fosse da Lils Palestras, Eventos e Publicações, empresa de
palestras do ex-presidente.
E Moro autorizou essa escuta por entender que ela poderia
“melhor esclarecer a relação do ex-Presidente com as empreiteiras [Odebrecht e
OAS] e os motivos da aparente ocultação de patrimônio e dos benefícios
custeados pelas empreiteiras em relação aos dois imóveis [o triplex no Guarujá
(SP) e o sítio em Atibaia (SP)]”..
Procurados pela ConJur, os membros da força-tarefa da operação
“lava jato” afirmaram que o telefone do Teixeira, Martins foi incluído no
pedido por constar no site “FoneEmpresas” como sendo da Lils. Além disso, os
membros do MPF ressaltam que Moro autorizou a interceptação. Uma busca pelo
número de telefone no Google, no entanto, já traz em seus primeiros resultados
o escritório de advocacia.
Os procuradores também argumentam que não juntaram transcrições
das escutas do telefone central do escritório nos autos do processo — constando
no relatório os registros das ligações envolvendo o número.
Celular rastreado
Sete dias depois de autorizar o grampo no escritório, o juiz da
operação “lava jato” acrescentou ao grupo dos aparelhos monitorados o celular
de Roberto Teixeira, conhecido por defender o líder do PT desde os anos 1980.
“Não identifiquei com clareza relação cliente/advogado a ser preservada entre o
ex-presidente e referida pessoa [Roberto Teixeira]”, diz Moro, em seu despacho.
Na decisão, ele ainda apontou que “há indícios do envolvimento
direto” de Teixeira na aquisição do sítio em Atibaia (SP), que é alvo de
investigações, “com aparente utilização de pessoas interpostas”, e se
justificou: “Se o próprio advogado se envolve em práticas ilícitas, o que é
objeto da investigação, não há imunidade à investigação ou à interceptação”.
A inviolabilidade da comunicação entre advogado e cliente está
prevista no artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994). Segundo a
norma, é um direito do advogado “a inviolabilidade de seu escritório ou local
de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência
escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício
da advocacia”.
Porém, essas autorizações de interceptação de Sergio Moro
mostram, segundo Roberto Teixeira e seu sócio, Cristiano Zanin Martins, que ele
não respeita a defesa e o trabalho dos advogados. Para eles, o juiz “se utiliza
do Direito Penal do Inimigo, privando a parte do ‘fair trail’, ou seja, do
julgamento justo”.
E mais: o monitoramento do celular de Teixeira, conforme os
representantes de Lula, “significa que a intenção do juiz e dos membros do
Ministério Público foi a de monitorar os atos e a estratégia de defesa do
ex-presidente, configurando um grave atentado às garantias constitucionais da
inviolabilidade das comunicações telefônicas e da ampla defesa”.
Um exemplo disso é a interceptação da ligação que o petista fez
para Teixeira no momento em que policiais federais foram à sua casa no dia 4 de
março para conduzi-lo coercitivamente para depor. Assim, Moro e os membros do
MPF e da PF já sabiam de antemão qual seria a estratégia de defesa que Lula
usaria no interrogatório conduzido pelo delegado Luciano Flores de Lima.
Na visão de Zanin Martins e Teixeira, a justificativa do juiz
federal para grampear o telefone do advogado — o fato de ele ter assessorado
Jonas Suassuna e Fernando Bittar na aquisição do sítio de Atibaia — é a maior
prova de que ele foi interceptado “por exercer atos privativos da advocacia — o
assessoramento jurídico de clientes na aquisição de propriedade imobiliária — e
não pela suspeita da prática de qualquer crime”.
Os dois profissionais lembram que essa não foi a primeira vez
que Sergio Moro praticou um “ato de arbitrariedade” contra advogados. Para
exemplificaram, eles destacaram que, no julgamento do Habeas Corpus 95.518,
pelo Supremo Tribunal Federal, existem registros de que o juiz monitorou
ilegalmente representantes dos acusados, “e por isso foi seriamente advertido
pelos Ministros daquela Corte em 28.05.2013”.
Os sócios do escritório ainda alegaram que o fato de Sergio Moro
atuar em um só caso, e com “pretensa jurisdição universal”, viola o devido
processo legal e todas as garantias a ele inerentes.
Pedido à OAB
Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins pediram que as
seccionais de São Paulo e do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil
tomem “todas as providências cabíveis em relação a esse grave atentado ao
Estado Democrático de Direito”.
Nas petições a essas instituições, eles argumentaram que “não se
pode cogitar de erro” no fato de o MPF ter pedido – e Moro autorizado – a
quebra do sigilo do telefone central da banca como se ele fosse da empresa
Lils. Isso porque durante os quase 30 dias da interceptação, foram ouvidas
diversas gravações que já começavam com a identificação do escritório de
advocacia.”
Cristiano Zanin Martins ainda ressaltou que espera que esses
pedidos sejam encaminhados ao Conselho Nacional de Justiça, que pode tomar
providências disciplinares contra Moro. O presidente da OAB-SP, Marcos da
Costa, deferiu o pedido e determinou que sejam tomadas as “medidas necessárias
para proteção e defesa das prerrogativas dos advogados”.
Entidades criticam
Marcos da Costa determinou que sejam tomadas as “medidas necessárias para proteção e defesa das prerrogativas |
A OAB-RJ não perdeu tempo e já manifestou seu repúdio à decisão
de Sergio Moro que autorizou as escutas do escritório. “Tal expediente, além de
violar frontal e inequivocamente prerrogativa do advogado acerca da inviolabilidade
telefônica quando inerente ao exercício da advocacia (artigo 7º, inciso II, da
Lei 8.906/94), atenta gravemente contra as bases do Estado Democrático de
Direito”.
Em nota, a Comissão de Prerrogativas da entidade disse que a
ordem do juiz federal “representa vertente da lamentável tentativa de
criminalização do exercício da advocacia”, e que trata o advogado como se fosse
seu cliente.
O Movimento de Defesa da Advocacia, por sua vez, declarou que,
em um Estado Democrático, não se pode admitir “qualquer relativização dos
Direitos consagrados no artigo 7º da Lei 8.906/94, inclusive a inviolabilidade
de correspondência telefônica, independentemente do fim a que se presta”.
Ataques de especialistas
Advogados como Wadih Damous, que também é deputado federal
(PT-RJ), Alberto Zacharias Toron, Pedro Serrano e Fernando Fernandes também
criticaram os grampos das conversas entre Lula e Teixeira, apontando que isso
fere a inviolabilidade da comunicação entre advogado e cliente prevista no
artigo 7º do Estatuto da Advocacia.
Segundo eles, a medida viola a Constituição e a Lei de
Interceptações Telefônicas (Lei 9.296/1996), e ameaça o Estado Democrático de
Direito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário