quinta-feira, 4 de abril de 2019

BACABAL CULTURA.SEM - POESIA - CIDADE SITIADA



CIDADE SITIADA

 

Carrego entre os dentes

A faca cega e enferrujada da história

Que me contaram sobre as histórias

De uma cidade

Que nasceu em pencas como a banana,

Madurou em cachos como o arroz

E viajou em fardos como o algodão.

 

Cidade que se prostituiu nas noites,

Nos cabarés e prostíbulos

Da Rua 28 de Julho,

No Mufumbo, na Rua dos Prazeres,

No Buraco do Tatu, na Rua Rui Barbosa,

Nas Três Marias, na Rua Djalma Dutra,

No Preto Oito, na Rua Luis Domingues.

 

Cidade que acordava

Com o barulho das usinas

E com o cheiro de cuim e xerém.

 

Cidade que se acalentava

Ao som das sirenes das fábricas,

Ao som do apito da Polar

E de outras lanchas e batelões.

 

Trago em minha cabeça

A rodilha dos anos,

Um velho chapéu de palha,

Amassado e carcomido

Pelo peso das lembranças

Dos tabuleiros de quebra-queixo,

Das tábuas de pirulito,

Das bandejas de pão doce,

Das bacias de cocada,

Dos sacos de algodão doce,

Das caixas de picolé,

Dos carrinhos de sorvete,

Do tambor de chegadinho cavaco chinês,

Da maleta de Cuscuz Ideal.

 

Ainda alimenta as lombrigas dos meus primeiros anos

A doce lembrança do sabor

Do Picolé Jeneve, do Refresco Topogigio  

Do refrigerante Grapette, Citrosuco


Do Bombom São João, Pipper, Estramitte,

O sabor caseiro do alfinim, do puxa-puxa,

Da chupeta, da raspadinha, do suspiro,

Do mingau de milho, da canjica,

Da pamonha, do mungunzá.

 

Trago em meu corpo

As cicatrizes deixadas pelos cacos de vidro,

Pregos enferrujados, pedras de baladeira,

Quedas de árvores, topadas, esbarrões,

Arranhões deixados pelo asfalto,

Pelo cimento das calçadas,

Matos espinhentos e arames farpados.

 

Ainda está lá na beira do Rio Mearim

A marca dos meus pés

Moldada no barro da inocência.

Ouço no fundo perdido da minha criancice

O barulho das águas quando pulava de ponta,

Quando jogava cangapé, virava pulitrica,

Tocava borá, batia canapum ,

Passava rasteira e dava cambita.

 

Tudo está vivo, escondido n’algum lugar!!!

Na velha casa onde eu nasci

E que ainda se mantém de pé,

No quintal carente de infância,

Debaixo da ponte, nas praças,

Nos bueiros e nas galerias.

No Bêco da Bosta, nas ruas do Fio,

Do Axixá, do Maxixe, da Ponta Fina,

Do Tecelão, da Mangueira, da Bacabeira,

Do Quebra Coco e da Salvação.

 

Procuro sob a palha do arroz,

Sob a borra de coco babaçu,

Sob o rejeito do algodão,

Sob o bagaço da cana

Das inúmeras usinas.

Procuro no escuro dos cinemas,

No pátio dos colégios

Nos jardins das praças,

Nos barracões das escolas de samba.

 

Está vivo

Procuro e não acho esse passado bonito

Que a vida fez questão de esconder

Mas que ninguém foi capaz de procurar.

 

Bacabal Alves de Abreu Sousa Silva de Mendonça e da Infância Perdida 

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