domingo, 9 de julho de 2023

COLUNA DO DR. ERIVELTON LAGO

 


O MENINO PICOLEZEIRO E O HOMEM PISTOLEIRO

Entre a segunda metade da década de 70 e a primeira da década de 80, Bacabal tinha um clima de cinema estilo faroeste americano. Não, eu não estou dizendo que as pessoas viviam trocando bala no meio da rua. É que nessa época viveu por lá um pistoleiro famoso conhecido pelo nome de Romão. Um homem branco, alto, passadas longas, cabelos lisos e tinha um jeitão de gente boa. Todavia, na cintura não lhe faltava um revólver 38 e um canivete tornozelo. Ele caminhava como se estivesse sempre pronto para mandar bala no primeiro homem que levasse as mãos à cintura. Nessa época, o maior cabaré da cidade era o “As Três Marias”, mas era conhecido apenas como “As Três”. Era uma rua cheia de boates, ou seja, eram casas de diversões abertas à noite, onde os homens iam para dançar, assistir a shows, beber Pitu e cerveja, comer e fazer sexo com as mulheres mais bonitas de toda a região. Era uma cultura “aceita”. Quando o Romão chegava no cabaré, todas as mulheres iam para a mesa dele. Os outros homens ficavam chateados, mas baixavam a cabeça para Romão não pensar que eles estavam o encarando, pois era morte certa. O único homem que não tinha medo de Romão era o “Cabo Santos”, um policial militar de cara feia que era temido por nós meninos, pelas mulheres e pelos homens daquela época. Todavia, percebia-se que o Romão e o Cabo Santos se respeitavam e até parecia que eram amigos. Romão respeitava o cabo e o cabo respeitava Romão. Nesse tempo eu já estava no início da adolescência, um pouco acima dos 13 anos de idade, mas eu e meus colegas da época tínhamos muito medo da polícia e do Romão. Em 1975 o prefeito de Bacabal era o Dr. Coelho Dias, nessa época, os homens ainda insistiam em ouvir as músicas “Foi Deus” e “Quem Sabe” de Agnaldo Timóteo, sucesso desde 1972 e Waldick Soriano com “A Carta”, de 1964 e “Eu não sou cachorro não”, de 1972. Pois bem, lembro-me que um dia, já na minha última profissão de menino picolezeiro, eu passava na “Rua das Três”, num sábado, por volta das 11 horas, ainda restavam uns doze picolés na minha caixa de isopor, pois eu havia vendido apenas uns oito. já passando na porta da boate, uma mulher me chamou: ei menino, encosta aqui, quero comprar um picolé. Quando eu encostei vieram todas as mulheres de dentro da boate, meteram as mãos na caixa de picolé e, em poucos segundos, não havia um só picolé na caixa. Com a caixa vazia, um homem alto e branco, falou: ei Neguin, coloca essa caixa no meio da rua para eu saber se meu revólver ainda presta. Era o Romão. Eu não entendi muito bem a toada dele, mas vi que uma das mulheres pegou a minha caixa, colocou no meio da rua, e, em seguida, eu vi bagaços isopor voando para todo lado, era a minha caixa sendo crivada de balas. Nessa hora, eu corri para um lado qualquer da rua, não lembro se para a direita ou para a esquerda, mas sei que cheguei em casa em pouco tempo e sem fala. Mamãe perguntou: o que foi meu filho? Mas eu ainda estava sem fôlego, não conseguia falar, acho que corri muito mais rápido do que o atleta jamaicano Usain Bolt, bicampeão olímpico e mundial. Terminado o cansaço, chegou uma mulher muito bonita na minha casa com uma certa quantia de dinheiro enviado pelo pistoleiro. Eu não sei quanto foi, mas sei que mamãe foi para a feira e trouxe de lá tanta coisa que até pensei que ela havia ganhado no “jogo do bicho”. Acho que passamos um mês de fartura lá em casa. Depois contaram o acontecido para a minha mãe e eu não retornei mais à profissão de picolezeiro, fui vender revistas da Editora Abril Cultural e outras: Veja, Disney, Mandrake, Capricho, Sétimo Céu, Cruzeiro, Manchete, Contigo e Fatos e Fotos

Acho que virei fã do Romão, mas pedi a Deus para que nunca mais aquele generoso homem aparecesse na minha frente. Acontece, porém, que em 1980 mudei para São Luís, MA. Em 1981 passei no concurso da Polícia civil, no governo de João Castelo. Ainda na primeira metade da década de 80, eu cheguei para tirar o meu plantão de 24 horas no 3º distrito policial da Vila Palmeira. Recebi o plantão do comissário Marcos Valério, por volta das 13 horas. Ouvi um barulho na cela, um chamado de preso quando quer pedir alguma coisa para os policiais. Marcos me alertou: cuidado, está preso aí um pistoleiro muito perigoso. Então entrei no corredor da cela. Quem estava lá? Romão. Estava de bermuda, uns três cordões de ouro no pescoço, um relógio muito bonito e uma pulseira dourada no braço direito. Diga, falei para o preso. Respondeu ele: por favor, você pode mandar comprar um galeto para eu comer? Respondi: claro, posso providenciar. Ele puxou o dinheiro do bolso e me entregou. Pedi para o Arnaldo ir comprar o galeto. Arnaldo era um daqueles caras que virou policial sem fazer concurso. Naquela época, a pessoa que começava ir para uma delegacia, caía na graça do Delegado e dos outros policiais, virava garoto de recado e estava sempre disponível, em pouco tempo, começava dizer que era policial. Como ele estava sempre junto com os policiais, ganhava prestígio, status e até “dinheiro”. Pois bem, Arnaldo trouxe o galeto e eu levei para o homem. Olhei para ele, criei coragem, e perguntei: você lembra de mim? Ele respondeu: não lembro, você me conhece de onde? Sou de Bacabal, respondi. Contei a história da minha caixa de picolé e do pagamento generoso feito por ele. O pistoleiro chorou. Ele estava com a autoestima baixa. Porém, senti que ele ficou feliz por mim. Passaram-se umas três semanas e Romão foi transferido para uma delegacia mais segura. Depois ouvi a notícia de que ele havia fugido depois de um ano de prisão. Alguns anos depois, tive outra notícia: Romão foi assassinado por outro pistoleiro muito famoso, na Boate Beira Rio, em Bacabal. Dizem os curiosos que os dois eram amigos. Enfim, Independente do bem ou do mal que praticamos, sempre passará um homem ou uma mulher que nos dará uma moeda ou um pedaço de pão, pois todo destino nos é dado por Deus.



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