Um desastre em São Paulo chamou a atenção de todo o Brasil esta semana. Um desabamento matou dez operários na zona leste da capital paulista. Por que o prédio veio abaixo? O que dizem os responsáveis pela obra? E quem eram os trabalhadores que saíram do sertão nordestino em busca de trabalho na metrópole? No Maranhão, a reportagem é de Marcos Losekann. Em São Paulo, de Giuliana Girardi.
O toque do sino traduz a dor de todo o povoado. Só da cidade de Clemente, em Barra do Corda, no interior do Maranhão, partiram 4 dos 10 mortos no desabamento.
“No mínimo, tem 80, 100 homens fora daqui. Eles vão pra trabalhar e passam 3 meses, 4, e aí vem. No máximo, 6 meses”, diz Valdir Vieira Silva, parente de vítima.
Mas o que leva tanta gente à metrópole em eterna construção? O que queria Raimundo, que morreu soterrado em São Paulo, aos 37 anos?
“O sonho dele era de comprar uma moto, como a maioria do pessoal que saiu daqui, conseguir uma vida melhor, fazer uma casinha uma vida melhor, fazer uma casinha”, conta Janiel Campos Ferraz de Souza, irmão de Raimundo.
Raimundo sempre mandava notícias. “A última vez foi terça-feira, 7 horas da manhã, minutos antes da tragédia. Ele ligou e disse que estava indo para o trabalho. Ele se despediu e eu disse pra ele: deus te abençoe e abençoe mesmo”, lembra Sebastião de Souza, pai de Raimuno.
Entre o sonho e a realidade, uma longa jornada. Falta de perspectiva, falta de trabalho, de esperança no futuro. Uma vontade de viver distante da pobreza. É isso que move os filhos do interior maranhense rumo às oportunidades que surgem longe, bem longe. Mas para isso, é preciso trocar a poeira das ruas dos povoados em que nasceram pelo asfalto e o concreto da cidade grande. E quem sabe um dia voltar, bem de vida. Um projeto que, no caso dos trabalhadores mortos em São Paulo, ficou pelo caminho.
Marcelo, outra vítima, tinha 22 anos. Passou os três últimos, trabalhando em São Paulo. Estava juntando dinheiro pra pagar a cirurgia de catarata da mãe. No Natal passado, deu um presentão pra família. “Era o sonho da minha mãe era fazer esse banheiro pra ela”, diz Silas Rodrigues, irmão de Marcelo.
Dona Teresa se emociona. “Na hora que botaram ele na maca, só um nome que ele chamava. Era ‘mamãe, mamãe, mamãe”, conta Teresa Rodrigues, mãe de Marcelo.
Enquanto pais, irmãos e muitos outros parentes e amigos assistiam ao trabalho dos bombeiros pela televisão, uma família vivia o drama bem de perto.
Felipe Pereira dos Santos foi viver em São Paulo quando ainda era bebê de colo. Aos 20 anos, trabalhava no almoxarifado da obra que desabou. O tio e os pais dele correram atrás de notícias.
“Meu filho é um guerreiro. Ele vai sair dali vivo. Se ele estiver machucado, não me importa. Vou cuidar do meu filho no hospital. Ele falou que eu era a mulher da vida dele, que ele ia fazer de tudo pra mim ser muito feliz”, diz a mãe do Felipe.
Felipe se formou em administração de empresas. O corpo de Felipe foi encontrado 36 horas depois do desabamento.
Investigações da tragédia
Como estão as investigações dessa tragédia, que causou tanto sofrimento, em tanta gente? Quem mostra é a repórter Giuliana Girardi.
A busca por sobreviventes durou 56 horas. Com uma câmera no capacete, o bombeiro registra momentos de tensão. É preciso cuidado pra não causar mais estragos.
“Teve que romper todas essas lajes aqui que a gente tá vendo. São cerca de 40 centímetros cada laje. São duas lajes que foram rompidas”, afirma o capitão Marcos Palumbo, do Corpo de Bombeiros.
O prédio ficava numa das avenidas mais movimentadas de São Mateus, no extremo da zona leste. No projeto original - apresentado à prefeitura - ele teria um único pavimento. Mas foram construídos dois: o térreo e o primeiro andar, como revelam estas fotos obtidas pelo Fantástico.
A obra que desmoronou não tinha licença nem alvará de execução. O dono do terreno é Mostafa Abdallah Mustafá. Em março deste ano, ele foi multado duas vezes, em mais de R$ 100 mil e a obra foi embargada. Mesmo assim, a construção continuou.
Na sexta-feira, a arquiteta responsável pelo projeto nos atendeu. Ela disse que foi procurada por Mostafa para dar continuidade a um trabalho de outra arquiteta.
Rosana Januário Ignácio: Ele veio muito afobado. Ele queria que fizesse muito rápido.
Fantástico: Nenhum momento ele disse pra você que o projeto que você fez, mesmo sendo indeferido, já estava em andamento?
Rosana Januário Ignácio: Eu fiquei sabendo que tava em andamento depois. Depois que ele me falou assim: ‘olha, eu recebi uma multa’. ‘Tá bom, não tem problema. Por que?’. ‘Porque eu tava construindo’. ‘Se você tava construindo, você para’.
Fantástico: Quando ele disse pra você que ele estava construindo?
Rosana Januário Ignácio: Nós estamos em. Desculpa. Agosto. Foi em junho.
Fantástico: Você se sente de alguma maneira responsável por essa situação tão trágica?
Rosana Januário Ignácio: De maneira alguma. A minha responsabilidade fica só pelo projeto, não fica pela execução da obra.
Em março, uma denúncia anônima chegou à administração da prefeitura no bairro. Dizia que a construção era ilegal, mas garantida junto à prefeitura, mediante "acerto". A palavra acerto pode indicar propina.
Um fiscal, chamado Valdecir Galvani de Oliveira, anexou a denúncia ao processo e pediu providências da prefeitura, Ministério Público e polícia. Mas nada foi feito. Nove dias depois, Valdecir se demitiu.
A prefeitura quer saber por que ele saiu do emprego e vai apurar possíveis irregularidades na fiscalização.
No terreno, seria aberta uma loja de roupas do Magazine Torra Torra, que diz que o contrato de aluguel foi assinado com o dono do imóvel, em fevereiro.
O Magazine fala que, para avaliar a estrutura e fazer o acabamento, contratou - 16 dias antes do desabamento - uma empresa de engenharia: a Salvatta.
O pedreiro Jailson Gomes da Silva trabalhou na obra. Conta que ouviu um engenheiro da Salvatta dizer que o prédio tinha problemas.
“O engenheiro falou que a fundação tava fraca. Não aguentava o peso”, revela Jailson Gomes da Silva, pedreiro.
Para a polícia, um servente de pedreiro disse que, no pavimento superior, havia 500 blocos de barro e algumas toras de eucalipto para fazer o escoramento da laje. Nesse andar, a obra já estava adiantada e o engenheiro sabia, conta o pedreiro Jaílson. “A gente tava na segunda laje fazendo parede, refeitório, banheiro, essas coisas. Quando ele viu que a fundação era fraca, ele mandou nós parar e descer”, destaca Jailson Gomes da Silva.
Mesmo sem o escoramento, ninguém mandou os operários saírem da obra. Quando aconteceu a tragédia, 36 pessoas estavam no prédio.
Consultamos este especialista em análise de risco. “A amarração que ela tem de ferragem trouxe as colunas laterais pra dentro, na medida em que alguma coisa fez com que a laje afundasse. Ou um defeito da própria laje com excesso de carga, ou as colunas que suportavam nesse ponto a laje, cederam”, explica Moacyr Duarte, especialista em análise de risco.
O Fantástico procurou os responsáveis pela construção. Ninguém da Salvatta quis receber a gente. Eles disseram que não vão se pronunciar nesse momento.
Depois, a empresa enviou uma nota. Diz que jamais fez "alteração estrutural no imóvel e que os responsáveis pelo projeto, qualidade e execução da obra são os profissionais contratados pelo dono do terreno, Mostafa Abdallah Mustafá".
Também por nota, o Magazine Torra Torra, disse que Mostafa "se comprometia a ceder um prédio pronto, com dois pavimentos, que seria entregue sem piso, pintura e gesso”.
Mostafa Abdallah Mustafá e o advogado dele falaram que só vão se manifestar depois que forem ouvidos pela polícia.
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Carla está grávida de Claudenir, que morreu em São Paulo |
No Maranhão, foram enterrado 8 dos 10 operários que morreram. Saudade e um vazio preenchido pela fé. Carla agradece a deus pela vida que carrega no ventre. Depois de 5 anos casada com o pedreiro Claudemir Viana de Freitas, ela conseguiu engravidar. Há um mês, quando já estava em São Paulo, o marido soube que seria pai.
“Fiz tratamento. Aí foi que a gente conseguiu. A minha esperança era que ele estivesse vivo. Porque ele disse: ‘Carla, eu vou voltar pra nós criar nosso filho’”, lembra Carla Cardoso.
Ela só tem uma certeza: as vidas das vítimas dessa tragédia jamais serão esquecidas.
“Se vier um homenzinho, ele achava bonito esse nome ‘Jefferson’. Mas se for homem, quero fazer uma homenagem pra ele e colocar o nome dele”, conta Carla.