É certo que na última década a questão partidária tem transtornado
de tal maneira a imprensa que todos os dias de todos os anos parecem véspera de
eleição, mas já se pode perceber que, mesmo nos debates sobre a sucessão
presidencial, os candidatos e seus apoiadores evitam se contrapor ao clima de
festa que começa a tomar as ruas.
O noticiário específico sobre a seleção brasileira de futebol vem
em pacotes prontos, porque os jornalistas só têm acesso ao protagonista
liberado a cada dia pela assessoria de comunicação da CBF para a entrevista
oficial. O que tem ajudado a imprensa é o fato de que o tema futebol avança
rapidamente sobre a agenda nacional, o que obriga praticamente todo mundo a
participar da conversação.
A presidente da República entra em campo em uma sucessão de
entrevistas para afirmar que torceu pela equipe auriverde mesmo em 1970, quando
estava presa pela ditadura militar, e que faria ainda menos sentido desejar o
fracasso do time nacional em tempos democráticos. Ela aproveitou para
ridicularizar a manchete do Estado de S.Paulo na semana passada (ver aqui),
onde se dizia que o coletivo chamado Black Bloc iria contar com apoio da facção
criminosa PCC para organizar protestos violentos durante a Copa.
Com essa manobra, ela obriga seus concorrentes a entrar no coro, o
que produz um cenário interessante: ninguém pode ficar indiferente, pois isso
poderia ser considerado um crime de lesa-pátria; ao mesmo tempo, todos sabem
que Dilma seria a grande perdedora em caso de um fracasso do nosso time de
futebol.
Temos, então, o contexto histórico em que um fator externo à
política pode definir o resultado das eleições presidenciais: uma vitória do
Brasil, num torneio sem grandes contratempos, daria ao Partido dos
Trabalhadores o maior de todos os cabos eleitorais: um país em êxtase, após os
muitos meses de greves, conflitos e pessimismo na imprensa.
A Igreja entra em campo
Se até mesmo o mais ferrenho oposicionista se vê obrigado a
envergar as cores do selecionado nacional, que instituição poderia se contrapor
à animação da torcida? Ganha um doce de padaria quem se lembrar da Santa Madre
Igreja. Pois não é que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil resolve
entrar também nos debates sobre a Copa?
Uma nota publicada pelo Estado de S. Paulo quinta-feira (5/6)
descreve o panfleto no qual a entidade representativa da igreja católica expõe
sua visão do jogo. O texto, em português, inglês e espanhol, foi publicado no
site da instituição (ver aqui) e está sendo distribuído em paróquias da capital
paulista, sob o título “Copa do Mundo, Dignidade, Paz”. Diz basicamente que o
principal legado da Copa no Brasil não seria medido...
“... pelos valores que injetará na economia local ou pelos lucros
que proporcionará aos seus patrocinadores. Seu êxito estará na garantia de
segurança para todos sem o uso da violência, no respeito ao direito às
pacíficas manifestações de rua, na criação de mecanismos que impeçam o trabalho
escravo, o tráfico humano e a exploração sexual, sobretudo de pessoas
vulneráveis e combatam eficazmente o racismo e a violência”.
Nada mais absolutamente correto, do ponto de vista moral e
político. Apenas é conveniente observar que o mundo do esporte não se conduz
pela racionalidade, mas pela paixão.
Ao dar “cartão vermelho” para alguns aspectos da Copa do Mundo, a
CNBB acaba reforçando exatamente as justificativas controversas que têm movido
os Black Bloc. Por exemplo, ao se referir a uma “apropriação do esporte por
entidades privadas e grandes corporações, a quem os governos vem delegando
responsabilidades públicas”, o documento esquece que eventos como a Copa e as
Olimpíadas só existem porque são organizados por entidades privadas como a Fifa
e patrocinados por empresas.
Quando se refere a uma suposta “inversão de prioridades para com o
dinheiro público que deveria servir, prioritariamente, para a saúde, educação,
saneamento básico, transporte e segurança”, a entidade religiosa repete
argumentos dos ativistas da violência, baseados numa visão equivocada do
sistema orçamentário.
Como diria São Bernardo de Claraval, “o inferno está repleto de
boas vontades ou desejos”.
Por Luciano Martins Costa
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