sábado, 13 de abril de 2024

RUA GRANDE - POESIA

 



RUA GRANDE


Arregaço as mangas

Da minha camisa de força

E olho sobre

As milhares de cabeças de gente

Que se cruzam

Como se fossem formigas

No quintal do esquecimento.


Sobre o asfalto

Milhões de pés calçados.

Sobre as calçadas

Os passos em falso

Sob o asfalto e sob as calçadas

Alguma pedra portuguesa

Deixada por algum forasteiro

Que fará o papel de tesouro enterrado

Esquecido no tempo.


Duendes doentes

Habitantes do fundo da terra

Montam um quebra-cabeças

Que forma a arquitetura

De um passeio público

Cheio de traços mal feitos

E de curvas sinuosas.


Raízes de fícus, benjaminas, amendoeiras

Jambeiros, acácias, flamboyants

Embrenham-se a sete palmos do chão

E sugam os escarros

Cuspidos de bocas famintas, sedentas

De uma palavra verdadeira.

Suas folhas respiram

Fumaça de gasolina

De álcool, de óleo diesel

De gás butano, de carvão mineral,

De cigarros, de papeis queimados.


Grita o camelô

Apresentando seus produtos de terceira

Bichos circulam entre gente,

Passeiam como fossem

Parte principal dessa paisagem urbana.


Vendem-se de tudo:

O brilho falso dos metais,

Das bijuterias.

Perfumes sem cheiro, unguentos

Vendem-se rádios, discos, toca discos

Panelas, pratos, colheres, talheres,

Frutas, bandecos

Roupas, relógios, óculos, miudezas.


Vendem-se futuro astrsvés das cartas

Dos búzios, das linhas das mãos.

Vendem-se almas,

Bilhetes premiados

Terrenos no céu

Vendem-se até a mãe.


Corre entre pernas

A falsa impressão

De que esta Rua Grande

(Tão pequena e tão estreita)

Leva a um futuro próximo

Que embrulho para presente

E guardo no fundo do bolso

Da minha velha calça de brim desbotado.


Zé Lopes

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