A barbárie nos
presídios do Maranhão é o ponto alto de uma crise cujos sintomas já se
revelavam desde a década passada nos dados de segurança do Estado. Entre o ano
de 2000 e 2013, os homicídios em São Luís e na região metropolitana cresceram
460%. Foram 807 mortes em 2013. Contribuiu para
a epidemia de violência o fato de o Maranhão ter a menor relação de policiais
por habitante no Brasil. Há um policial para cada 710 moradores, proporção
que em Brasília, a mais alta, é de 1 para 135 pessoas.
O descaso, a falta de
vagas e de investimento no sistema penitenciário também já vinham sendo
apontados pelas autoridades, como nos mutirões feitos pelo Conselho Nacional de
Justiça. As penitenciárias são precárias e superlotadas. Há 1,9 preso por vaga
no sistema maranhense, proporção que coloca as prisões do Estado no 7.º lugar
entre as mais lotadas do País, índice semelhante ao de São Paulo.
Apesar da superlotação
do sistema maranhense, contudo, o Estado tem 100,6 presos por 100 mil
habitantes, a menor proporção do Brasil. "O modelo de segurança pública no
Estado está falido", diz o advogado Luiz Antonio Pedrosa, da Comissão de
Direitos Humanos da OAB do Maranhão. "As facções criminosas se formaram e
conseguiram um amplo espaço para avançar em um Estado com problemas sociais
dramáticos."
O problema da violência
no Maranhão dentro e fora dos presídios se agravou a partir de 2010, quando foi
anunciada pelos presos a criação do Primeiro Comando do Maranhão (PCM). A
facção rival, Bonde dos 40, surgiu logo na sequência. O enfrentamento entre os
grupos se acentuou nos meses seguintes, em um ambiente penitenciário sem
controle, com uma frágil política de segurança pública.
Erro
A secretária estadual
de Direitos Humanos e Assistência Social, Luiza de Fátima Amorim Oliveira,
admite o que o governo errou. "Infelizmente, nós falhamos, houve um erro
de gestão nesse sentido", disse ela, que foi ao enterro da menina Ana
Clara de Sousa, de 6 anos, que estava em um ônibus incendiado por criminosos e
teve 95% do corpo queimado.
Luiza afirma que, nesse
momento, a ajuda do governo federal e de outros órgãos é fundamental. "Não
tem como resolver sozinho essa situação. É preciso conjugar esforços, para que
não aconteça mais", disse. O governo estadual tenta mostrar que faz a sua
parte prendendo suspeitos de participar dos ataques a delegacias e a ônibus.
"A repressão já está sendo feita. Os adolescentes (envolvidos nos crimes)
foram presos."
Agora, segundo Luiza, é
preciso cuidado para que não seja alimentada a espiral de violência, tanto nas
prisões quanto nas unidades socioeducativas, onde o modelo de facções também se
repete. "Quando eles (presos) ficaram cientes de que a Ana Clara morreu,
começou uma retaliação, uma pressão interna contra esses adolescentes que estão
lá. Então, nós tivemos de separá-los", diz.
Críticas
Nas prisões, parentes
de suspeitos de participar da nova onda de ataques acusam o governo do Estado
de fazer prisões arbitrárias só para dar uma resposta à sociedade. A cozinheira
Lucicleide Melônio do Nascimento, de 39 anos, afirma que o filho dela, Luís
Gustavo Melônio, 18, foi preso injustamente. Ele foi detido sob suspeita de
atirar em uma delegacia no bairro São Francisco, em São Luís. "Ele já
tinha carteira assinada, ia prestar concurso. Agora, apareceu em rede nacional,
já foi condenado", disse. "E pode ser mais um morto, porque nós
sabemos, o País todo sabe, o que acontece nos presídios do Maranhão."
EM CADEIA SUPERLOTADA NO MA, PRESOS COMEM ARROZ E GALINHA
CRUA
"Quem dorme no
chão está na praia". A "praia" descrita por Pedro (os nomes são
fictícios), 33, porém, está bem longe do mar. Mar ali, apenas de gente. Muita
gente.
A Folha visitou
um dos presídios superlotados de São Luís. São cerca de 200 homens, o dobro da
capacidade. Não integra o complexo de Pedrinhas, mas tem problemas similares
aos do maior conjunto prisional do Estado, cenário de 62 mortes desde 2013.
Os detentos reclamam
muito da realidade da cadeia, mas alguns temem a ideia de um dia voltar para
Pedrinhas.
Ao passar pelos
corredores, a sensação é a de uma bomba prestes a explodir. Pedro e os colegas
mostram o espaço onde vivem: 13 dividem uma área onde, inicialmente, caberiam
quatro.
Em seguida, demonstram
o malabarismo para dormir. Deitam-se rentes aos outros no chão, sem nenhum
forro. Dois dormem embaixo da base de concreto que serve de cama. Estas, com
colchões, são divididas por dois presos em cada uma delas.
Depois da superlotação,
a comida é, de longe, a principal queixa dos presos. Só há arroz e galinha.
Pior: crua.
Daniel aponta para o
chão e mostra uma chapa que funciona como fogão. "A gente precisa terminar
de cozinhar pra conseguir comer", diz.
O mau cheiro local vem
de uma mistura de fezes, urina e comida estragada. O calor forte só acentua a
náusea.
O banheiro forma-se a
partir de uma parede incompleta, na altura da cintura. Cobre-se o restante com
panos.
RODÍZIO DE SOL
A falta de espaço impõe
um rodízio até no banho de sol. Quem não poderá circular a céu aberto terá de
ficar confinado na cela.
Em outro espaço
visitado, presos se amontoam no corredor, onde desembocam para mexer um pouco
as pernas.
"Aqui é um
caldeirão do inferno. Mas eu não quero voltar pra Pedrinhas nunca mais. Ali, só
Jesus", diz um detento. "Estão matando todo mundo lá, Deus me
livre", completa outro.
“FALTA UMA AÇÃO DURA DO ESTADO”, DIZ DELEGADO LUÍS MOURA SOBRE INSEGURANÇA
Conhecido pela linha dura com que costumava conduzir as ações
policiais sob seu comando, o delegado Luís Moura, hoje distante da mídia,
apesar de ainda estar na ativa na Polícia Civil, comentou a onda de violência
que ora se abate sobre o Maranhão, sobretudo em São Luís, com repercussão em
todo o Brasil e até no exterior. Na opinião do experiente delegado, absolvido
em 2012 no processo em que figurava como envolvido com o crime organizado,
falta uma ação implacável do Estado para eliminar de vez a bandidagem, que se
insurge com audácia crescente contra os cidadãos e até mesmo contra o sistema
de segurança pública.
Em reunião que celebrou o aniversário do deputado estadual Manoel
Ribeiro, Luís Moura não se furtou a comentar as ações criminosas e o desempenho
da polícia no enfrentamento aos facínoras, que, entre tantas barbaridades,
assassinaram uma menina de apenas 6 anos ao incendiar o ônibus em que ela
viajava com a mãe e uma irmã menor, também feridas gravemente.
Luís Moura defendeu uma ação enérgica das forças de segurança
pública. Para ele, só o rigor extremo levará os bandidos a um recuo. “Um cara
como aquele que queimou a menina não poderia estar vivo”, chegou a comentar
para uma plateia formada por políticos, empresários e outras pessoas de
destaque na sociedade local.
O delegado sabe o que fala, pois comandou, no início da década de
90, a Operação Tigre, um dos esforços mais bem sucedidos do governo maranhense
no combate ao crime em toda a história. O governador da época era o hoje
senador João Alberto, que com ele divide a fama de ter pacificado o estado em
um momento de profunda tensão.
Luís Moura aproveitou a ocasião para desfazer um equívoco em
relação ao episódio. Segundo ele, a Operação Tigre foi ordenada pelo então
governador Epitácio Cafeteira antes de passar o mandato ao vice, João Alberto,
para disputar vaga no Senado. Segundo ele, coube a João Alberto executar a
ideia, que só vingou porque o sucessor seguiu a orientação de Cafeteira à
risca.
O delegado vem sendo instado pelos secretários de Estado de
Educação, Pedro Fernandes, e de Esportes, Joaquim Haickel, a registrar sua
trajetória policial em livro, com ênfase para a Operação Tigre. Se concebida, a
obra, certamente, trará várias passagens interessantes, que poderão servir de
lição para os que hoje comandam, sem muito sucesso, a segurança pública do
Maranhão.
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