Pesquisa divulgada na tarde de
quinta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que
70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes e 89% são do são do sexo
feminino, possuem em geral baixa escolaridade.
A pesquisa revela que em 50% dos
incidentes totais envolvendo menores, há um histórico de estupros anteriores.
“Trata-se de dados alarmantes, pois
sabe-se que o estupro, além das mazelas de curto prazo, gera consequências de
longo prazo, como diversos transtornos, incluindo depressão, fobias, ansiedade,
abuso de drogas ilícitas tentativas de suicídio e síndrome de estresse
pós-traumático. Tal fato, ocorrendo exatamente na fase da formação individual e
da autoestima, pode ter efeitos devastadores sobre a sociabilidade e sobre a
vida dessas pessoas.
Sobre os elementos situacionais
relacionados a tais eventos, um terço dos casos está associado à ingestão de
bebidas alcoólicas”, diz o relatório da pesquisa.
Segundo a pesquisa do Ipea, a coação
por ameaça, força física e espancamento é o padrão, só havendo maiores
alterações quando a vítima é adulta e o agressor é desconhecido, caso em que a
arma de fogo estava presente em 23,3% dos crimes. Sobre o padrão temporal das
ocorrências, um detalhe chama a atenção: a prevalência dos estupros segue de
maneira inversa à dos incidentes letais violentos, como homicídios, acidentes
de trânsito e outro,que ocorrem mais nos fins de semana e meses de primavera e
verão.
No caso dos estupros, a frequência é
maior nos meses de inverno e às segundas-feiras.
Os crimes em que há penetração vaginal,
em adolescentes entre 14 e 17 anos, redunda em uma grande taxa de gravidez, que
ocorre em 15% dos casos. Possivelmente este indicador, acima do encontrado na
literatura, seja decorrente de eventos repetidos, tendo em vista o histórico de
violência sexual intrafamiliar.
Dentre as mulheres adultas que
engravidaram, 19,3% fizeram aborto legal. Esse indicador cai para 5% quando a
vítima possui entre 14 e 17 anos. A prática de aborto legal só é possível em
menores quando tanto a vítima como o responsável legal estão de acordo com o
procedimento. Tendo em vista que uma significativa parcela dos estupros de
adolescentes é perpetrada pelos próprios pais ou padrastos, possivelmente esses
dois fatos ajudam a explicar a menor taxa de abortos legais nessa faixa etária.
No estudo, os pesquisadores
investigaram ainda os condicionantes associados à probabilidade de a vítima: 1)
sofrer estupros repetidos; 2) contrair DST; 3) passar por tratamento
profilático contra DST; 4) fazer aborto legal; e 5) ser encaminhada pela
unidade de saúde a outros órgãos públicos.
Utilizamos modelos de regressão
logística para entender como cada variável ou característica, isoladamente,
afeta tais probabilidades, em que alguns dos principais resultados foram
reportados abaixo.
Foi verificada que a probabilidade de a
vítima sofrer estupros recorrentes é positivamente associada à relação de
dominação doagressor perante a vítima. Ou seja, quanto menor for a chance de a
vítima ser capaz de denunciar o agressor, maior será a probabilidade que
estupro seja recorrente. Em particular, quando o agressor é familiar, a chance
de recorrência é 3,47 vezes maior em relação à situação em que a vítima conhece
o agressor, não sendo esse parente, cônjuge, ou namorado. Residir fora da área
urbana faz com que a probabilidade de estupros recorrentes aumente 20%.
Nos cálculos sobre a probabilidade de a
vítima contrair DST em consequência do estupro estão totalmente em linha com o
que foi evidenciado na literatura médica.
Alguns resultados que merecem destaque
são: i) agressores desconhecidos fazem com que a chance de contrair DST aumente
45% em relação à situação em que a vítima conhece o agressor, não sendo este
parente, cônjuge, ou namorado; ii) as vítimas que sofreram lesões nos órgãos
genitais apresentam probabilidade de contrair DST 46% maior que as vítimas sem
esse tipo de lesão; e iii) o estupro recorrente faz aumentar em 43% as chances
de DST.
No que se refere à análise acerca da
probabilidade de a vítima de estupro passar por profilaxia contra DST, de modo
geral os resultados foram compatíveis com o procedimento preceituado pelo
Ministério da Saúde. Inexplicável contudo, é o fato de indivíduos com menor
escolaridade sofrerem um tratamento diferenciado no SUS, o que revela uma
desigualdade incompatível com o princípio da universalidade e isonomia do
sistema.
Outro ponto que merece ser salientado
diz respeito à menor chance de tratamento por residentes em regiões rurais, o
que deve estar refletindo as mais escassas condições de oferta qualificada de
serviços públicos nessas regiões.
Por fim, acerca da probabilidade de a
vítima ser encaminhada a outros órgãos públicos, como polícia, ministério público
e outros, chama atenção o resultado em que se o agressor foi cônjuge ou
namorado, tais chances diminuem 45% em relação aos casos nos quais o
perpetrador é conhecido, embora sem relação de parentesco. Como nas situações
que envolvem indivíduos adultos essa é uma decisão pessoal, não há qualquer
necessidade de o sistema de saúde fazer tal denúncia. Tal indicador revela, de
certa maneira, a dificuldade do Estado em romper um ciclo de violência que
ocorre dentro dos lares.
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