Adeus Raimundao!!!
José Raimundo dos Santos
Junto às fortes chuvas no final do mês de março, que terminou de esburacar a cidade, a morte nos arrebatou/levou junto com o próprio mês, um cidadão querido e amado por todos nós - o nosso Raimundao - conhecido de toda cidade.
O NASCIMENTO
Filho do casal Raimundo Nonato ( o NONATAO ) e Aurelinda Pereira dos Santos ( dona Noca), ele nasceu em 15 de novembro de 1854 - dia das eleições que elegeria Getúlio Vargas, presidente do Brasil. Naquele ano eleitoral, Bacabal vivia momentos turbulentos devido às intensas disputas políticas e a vários assassinatos que abalaram a paz da pacata Bacabal, nos dias que antecederam ao nascimento dele. Vou citar dois: 1 - A morte brutal de Luís da Farmácia São João, na calada da noite, pelo pistoleiro de aluguel Bigodão, que posteriormente foi perseguido e morto pela polícia, na cidade de Santa Inês, após intenso tiroteio. O trouxeram praticamente arrastado, onde a população se manifestou em intenso foguetório; porque Luís, um músico da banda Santa Cecília - tocava piston - era muito estimado e querido de todos. Justiça feita, diziam!
2 - No feriado de 21 de abril, após o desfile e saudações ao dia de Tiradentes, patrono da polícia militar, dois soldados que serviam em S. Luís e que eram partidários de candidatos diferentes na corrida eleitoral municipal, se envolveram em briga corporal acirrada e um deles - o PM Geraldo - armado de faca saiu correndo atrás do outro ( que era filho de Rui) e não conseguindo alcançar seu desafeto, voltou sua ira contra dois Cidadãos, o João da Cruz e Alípio Cutrim que jogavam uma partida de DAMA naquele final de tarde, na esquina da mercearia do Zé Longar - esquina das ruas Osvaldo Cruz com Magalhães de Almeida - e cruelmente, sem nenhum motivo aparente, enviou a enorme faca na barriga de ambos, os matando. Aquilo desencadeou uma enorme revolta na população, ocasionando a intervenção do governo estadual, com força armada, até as eleições de novembro. Frederico Leda era o prefeito. As eleições seguintes foram vencidas pelo médico Antônio da Silva Neto, o Dr. Antônio, e que devido a intensos protestos, acusações e denúncias da oposição, ficou impedido de assumir de imediato, o que fez com que o Juíz Eleitoral desse posse ao então Presidente da Câmara, João Gomes Vidal, que permaneceu no cargo por alguns meses, até finalmente saiu a sentença e o então Prefeito Eleito, assumiu em definitivo....
Foi nesse clima que Raimundinho Nasceu. O pai, nosso NONATAO, estivador, marceneiro e que nas horas vagas trabalhava de PORTEIRO, função que acabou o tornando uma figura lendária, temida e cantada em prosas e versos por todos os malandros da cidade, que apesar de tudo, lhe queriam muito bem e, muitos, se espelhavam nele, devido sua moral e dureza! Festa ou evento que se prezava, contratava seus serviços de porteiro!
Nesse dia 15 de novembro - dia das eleições, repito - a região das seções eleitorais - basicamente nas ruas Grande, Paulo Ramos, Rui Barbosa e 28 de Julho, estava 'apinhada' de gente desde às 2 da madrugada. As maiores aglomerações eram na Banca de Café da dona Benta - onde com a 'desculpa de tomar um café ' os cabos eleitorais faziam "boca de urna"- e na casa do NONATAO, que desde cedo, sorridente ( coisa rara) ele recebia os cumprimentos dos inúmeros amigos. Vou citar alguns: o Sindicato em peso dos estivadores, o Presidente, Almir de Xinoca e o vice José Nogueira lhe trouxeram flores, bebidas e panelaços de sarrabulho, sopa e panelada, além de vidros de pimenta e limão à vontade. Manduca Santos, de terno branco e montado no seu alazão, trouxe um barril de cana da boa ( intocado, pq era proibido, devido às eleições) lá da Bela Vista. Então por esse motivo, todos bebiam através de uma mangueira que sobressaia do barril, encoberto por lonas, encima do Jipe de Manoel Português. A fila apesar de discreta, era grande...rsrs.
Começavam a chegar amigos importantes. Bainha de Talo, um dos macumbeiros mais famosos da época (ao lado de Chico Baiano e Argemiro) veio direto do salão, onde baiou a noite toda e ainda incorporado, felicitou o amigo. Depois a casa foi se ' enchendo '. Zé Corrêa , que fez o parto, foi um dos primeiros. Aí chegaram os 'amanhecidos ' músicos Zé de Brito, Jaime, Chiquinho da muriçoca, Luiz do Banjo, Diordico, os vizinhos Donato, Firmo, Tamió, Mamédio, Roque, Tota, Manoel Epifânio, Zezico, Lili, Raimundao Alfaiate - que tinha 'preparado' 5 jabutis no leite de coco pra essa ocasião, e( estava feliz, pq na noite anterior acertou no porco, na cabeça - tinha sonhado com Zé Longar e dona Marina deu o pitaco: dá porco) ; Joãozinho dos Parafusos, seu Cardoso, Matias, Zé dos Reis, (jururu pq teve a banca 'quebrada' por Raimundao); Tambaló, Cibinga, Dico, Graminchó, Zé Longar, Dionísio, Jurandir, Manequim Camiranga, Pedro Solino; Preto 8; Tarrino - que estava brigado com Nonatão fazia anos - aproveitou pra fazer as pazes, lhe deu um abraço, cochichou no ouvido ( dizem que Nonatão gargalhou; o que seria?) e lhe deu um presente, ideia da patroa, dona Zilda, que veio junta. Padre Celso apareceu pra abençoar o rebento; os políticos tradicionais como Dr. Antônio, Benú Lago, Raimundo Sérgio, Seu Trinta, Pedro Cutrim e Luiz Mário dentre outros vieram fazer "uma média". A casa foi se enchendo. Estou citando só os amigos masculino. Claro que vieram as amigas de dona Noca! A mulherada da 28, liderada por Maria Eterna, trouxeram um buquê de rosas e as donas de casas Maria da Paz, Maria do Gorgonho, Jovenilha, Chiquinha do Luís dos Santos; Carmosina, dentre outras, só pra citar algumas também vieram. Zé de Brito, junto com Jaime começaram a assoprar os saxofones. Rápido apareceu um jipe com 4 policiais pedindo pra parar, sob ameaça de prisões. Xavanca, um negrão estivador atarracado - vc o encarando de perto e de frente, parecia um búfalo, devido os 'buracos da venta'- já doidão, vociferou: oxente e pruquê? Intonce vein, pegá nois! Os PMs se entreolharam e "caparam o gato"...e o pau (som, dança) torou!...
INFÂNCIA , ADOLESCÊNCIA, VIDA...
Raimundinho, que era filho natural único; nasceu com autismo, associado com esquizofrenia leve, doenças que foram percebidas com o seu crescimento e acentuadas em definitivo, com a chegada da adolescência. Professoras Alice Mendes, Elisa Monteiro, Maria Alice e Conceição Miranda (desencatadora de burros) não deram jeito nele! Mesmo assim, concluiu o primário na União! Quando tinha uns 20 anos, seus pais adoraram uma menina, a Sheila, que veio alegrar mais a sua vida e fazer- lhe companhia! Ele amava a irmã! Nunca se casou e nem foi pai. Jamais saiu de Bacabal e nunca se soube de alguma briga ou agressão causada por ele. Era amigo de todo mundo e muito cordial e respeitador. As crianças o adoravam! Andava sempre sozinho e apressado. Na adolescência, costumava sair pelas ruas com uma latinha na mão, anunciando festas e eventos que iam acontecer pela cidade e estava eternamente sorridente. Me lembro que em 1985, quando veio fazer um show em Bacabal ( trazido por mim), o cantor Zé Geraldo que estava hospedado no Hotel Jainara; manifestou interesse em conhecer o Rio Mearim e eu me propus a acompanhá-lo. Saímos a pé, pela BR e encontramos o Raimundinho anunciando alguma coisa na latinha. O Zé ficou parado, boquiaberto, observando. De repente, deu uma palmada na testa e disse: é isso! Depois me explicou que estava compondo a música "Meus Caminhos de Nuvens Brancas" e que a aparição do Raimundinho o ajudou a compor os versos: "olhando às pessoas com olhos de anjo, o louco se sente um feliz animal; tao livre, tão puro e tão leve! Despido do medo, da fúria e do mal"...
Depois, o nosso Raimundao ou Raimundinho pras crianças; passou a dar notícias de VELÓRIOS pela cidade. Ele, de alguma forma, descobria onde tinha um defunto e ia pra sentinela. Adorava comer guloseimas, cafés e refrigerantes oferecidos nesses momentos. Quando lhe perguntavam: Quem morreu? Ele respondia, fulano; mas era pobre, pois lá só tinha café! Agora, quando tinha muita coisa pra degustar, passava o dia todo no velório...assim era ele, o que fazia ser uma figura quase folclórica e muito amada por todos nós. Nunca fumou; apenas bebia 'de leve ' uma cervejinha...
Mesmo assim, nos últimos tempos vivia adoentado e triste. Suas aparições pelas ruas da cidade foram escasseando, e eis que no final do mês de março, dia 26, de forma silenciosa, ele nos deixou a todos tristes com sua partida!...
Durante o seu velório, teve de tudo como ele gostava! E como costumava dizer:
É um VELÓRIO DE RICO! E assim foi. Merecia! Descanse em paz!
Adeus Raimundao!...
Valmiro Colibri
Que bela homenagem. Minha memória me levou aos primórdios da minha infância. Faltou lembrar o amor que ele tinha pelas revistas(contigo,sétimo céu etc..) e os albuns de figurinhas. Este Bacabal de pura inocência não mais existe.
ResponderExcluirOtávio Pinho Filho
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