quarta-feira, 25 de junho de 2025

COM A PALAVRA - AMOR E CIÚME, NÃO PODEM CONVIVER EM HARMONIA , AFIRMAVA O SAPATEIRO DURVALINO POR VALMIRO COLIBRI!

Diante do acalaroso debate ( futebolístico) apimentados com palavras de baixo calão e desrespeito com os membros do grupo, vou publicar aqui um diálogo que tive com o sábio e atencioso amigo Durvalino. Um gênio!  Dificilmente alguém vai ter paciência pra ler...rsrs Lembranças pra RECORDAR - Papo Reto


AMOR E CIÚME, NÃO PODEM CONVIVER EM HARMONIA , AFIRMAVA  O SAPATEIRO DURVALINO!


Os horários inusitados e irregulares de funcionamento da oficina de Durvalino, o elegante sapateiro negro, amanteigado de uma boa prosa; dos livros e dos debates sobre política e estórias de Bacabal, já tinham virado lenda na Rua Grande próximo ao Colégio Sarney, em Bacabal, cidade localizada às margens do Rio Mearim. A única maneira de saber se o atelier do 'mestre'  estava aberto era ir até lá, porque a porta ficava constantemente escancarada  e sempre tinha gente lá, com ou sem a presença dele .  Por isto, ao chegar e me deparar com a sua clássica bicicleta encostada na velha parede de barro era motivo de alegria pra mim.  Como sempre fui recebido com um sorriso sincero e um abraço forte. Eu disse que tinha ido em busca de uma boa conversa sobre um assunto que vinha me incomodando há tempos, o ciúme. Durvalino tinha no remendo do couro o ofício que executava com extrema habilidade; más a costura de ideias era uma arte que ele trabalhava com rara mestria. O bom amigo decidiu encerrar o expediente, embora ainda estivéssemos no início da tarde, e me convidou para almoçar em um tranquilo e minúsculo restaurante próximo dali, na ruela ao lado. Devidamente acomodados, dona 'Rosa'  completou o meu copo com uma deliciosa e gelada cerveja  comprada lá no Bugingangas ( Mestre Duda foi de suco) e  logo em seguida, comecei a contar que ultimamente vinha tendo muitas brigas com a minha namorada em razão do ciúme que atormentava o nosso relacionamento. Os desentendimentos vinham escalando de tom e as discussões estavam cada vez mais desgastantes. Confessei estar cansado de me sentir assim.


O sapateiro provou o suco de cajá e sorriu em aprovação. Em seguida, franziu as sobrancelhas esbranquiçadas  e disse com seriedade: “O ciúme é uma sombra tão comum que escuto as pessoas falarem que é inerente ao amor. O ciúme nada tem a ver com o amor; ao contrário, por ser fonte de muito sofrimento, em verdade, ele nega a essência do amor”. Bebeu mais um gole e prosseguiu: “Como toda a sombra, o ciúme precisa de entendimento para que possa ser iluminado e depois transmutado definitivamente. Entendimento e transformação, são algumas das fases do processo evolutivo. Portanto, o ciúme não deve ser negado, reprimido ou ignorado, nem tampouco estimulado. O ciúme é um sentimento que, como um adolescente malcriado, irritadiço e mimado, precisa de um abraço, de uma conversa franca, da devida orientação e firmeza para que possa se tornar um adulto diferente, saudável e feliz”.


Interrompi para dizer que ao contrário de muita gente que eu conhecia, portadores de ciúmes doentios, o meu ciúme era saudável. Durvalino arqueou os lábios em leve sorriso e corrigiu: “Não existe ciúme saudável. Todos os sentimentos que causam desconforto, seja um pequeno incômodo, seja uma profunda dor, precisam de tratamento e cura. Assim como cuidamos do físico, indispensáveis se fazem os cuidados com a alma. As emoções, quando desalinhadas, costumam ser as raízes de muitas das doenças que se revelam no corpo. O equilíbrio das emoções tem o poder de conceder a alegria, a leveza e a beleza ao ser; a desarmonia dos sentimentos traz o peso e o desconforto de viver, que somatizados em diferentes níveis, revelam desde um nocivo mau-humor até perigosos tumores”.


“As sombras nos habitam e nos dominam enquanto alimentadas, incompreendidas, negadas ou reprimidas. Elas utilizam vários mecanismos de proteção e sobrevivência; por exemplo, quando transferimos a responsabilidade da nossa dor para os outros ao invés de buscar a transformação e o equilíbrio interno. Isso ocorre porque optamos pelo comodismo de acreditar que somos vítimas do mundo e nos consumimos em lamentos, reclamações e estagnação; ou porque nós ansiamos por aprovação, aplausos e brilho e então criamos máscaras e personagens sociais que escondem a nossa essência, aquele diferencial sagrado que nos habita, desperdiçando a oportunidade de ser único e inteiro. Por medo e egoísmo desenvolvemos comportamentos revestidos de orgulho, vaidade, inveja, egoísmo, ganância, separatividade e ciúme. A ignorância sobre quem somos será sempre a mãe de todas as sombras. Educar as próprias sombras através do florescimento das virtudes pessoais e transformá-las em luz é o trabalho maior que cabe a cada um de nós no aperfeiçoamento do mundo. Enquanto desconhecermos quem somos, permaneceremos prisioneiros das emoções densas”. 


“Assim, aprofundando o raciocínio, chegamos a uma sentença simples: apenas quem tem medo sente ciúmes”. Argumentei que o medo não é de todo ruim, pois tem a função de nos mostrar os perigos que se avizinha. O artesão do couro  discordou: “Ledo engano. O medo tem que ser enfrentado com vontade e sabedoria para que não continue a esbulhar e a impedir de ousarmos em viver os nossos sonhos, de sermos diferentes e melhores aos padrões estabelecidos por condicionamentos socioculturais, que acabam por funcionar como uma espécie de cerca-elétrica, a nos impedir de ir além e esconder a nossa verdadeira face”. Bebericou um gole do suco e prosseguiu: “O medo paralisa e nos leva à estagnação. Tudo o que fica estagnado, apodrece. Combatemos o medo com coragem, virtude derivada da vontade, e com sensatez e prudência, virtudes oriundas da sabedoria. A coragem é a virtude que nos impulsiona a seguir adiante na certeza de que todo desafio é uma lição oferecida que, ao final, me deixará mais forte e iluminado. A prudência me avisa dos perigos, situações inerentes à vida, mas também me lembra que devo ficar atento às oportunidades que ali se ocultam. Por fim, vem a sensatez para me auxiliar na escolha das várias direções que posso tomar naquele momento. O mais importante é que, dentre todas as escolhas disponíveis, só não posso parar de caminhar”.


Durvalino olhou pela janelinha do restaurante por alguns segundos, como se o pensamento estivesse distante e, em seguida, concluiu: “Se mesmo assim estiver difícil de resolver com as virtudes que acabei de citar, use a poderosa virtude da fé. Ela nos ensina que todas as vezes que nos movimentamos no sentido da luz, o universo trabalhará ao nosso favor. Invariavelmente”. 


Interrompi para dizer que o sapateiro estava errado. Afirmei que eu era um homem corajoso e não tinha medo da minha namorada. Mestre Duda  arqueou os lábios em leve sorriso, por perceber que eu ainda não entendia o que ele falava, e explicou com paciência: “O ciúme surge do medo que nos acompanha desde tempos ancestrais. Quando movido pelo instinto primário, o inconsciente ainda nos condiciona a dominar tudo aquilo que se apresenta como uma ameaça. Por errada interpretação, entendemos como uma ameaça o fato de alguém não mais desejar viver ao nosso lado. Ao invés de priorizarmos a liberdade alheia como um eficiente método de respeito a nossa própria liberdade, acabamos por escolher em controlar as escolhas do outro, seus desejos e vontades. Assim, em essência, o ciúme se revela como uma guerra contra o amor e a liberdade. Paradoxalmente, o medo de sofrer movimenta todos os demais sofrimentos”.


“Outro equívoco muito comum é acreditar que outra pessoa terá a capacidade de nos completar, crença que alimenta o ciúme. Isto não é amor; é dependência. Viver ao lado de quem amamos, de pessoas que têm afinidade de olhar e sonhar conosco é simplesmente maravilhoso. Porém, não devemos nos iludir que alguém poderá completar o vazio que, porventura, exista dentro de nós. Claro que aprendemos e ensinamos com todos, contudo, ainda que alguém possa oferecer uma lanterna, apenas você poderá iluminar os porões escuros do seu ser. Mais ninguém”.


“Partimos em viagem ao interior de nós mesmos em busca das sementes do amor, da liberdade, da paz, da felicidade, da dignidade. São as flores da vida. Essas sementes, todas escondidas no âmago do ser, depois de plantadas, germinadas e floridas, devem ter os seus frutos compartilhados com toda a gente. Assim seremos plenos; dessa maneira espalhamos beleza mundo afora. Embora receber amor seja delicioso e importante, amar é a nossa face divina. Ao contrário do que se prega, amor não é troca. Amor é doação; o único amor que tenho é tão e somente aquele consigo dar. Este é o segredo da plenitude”. 


“Só conseguimos viver o amor, de verdade, quando paramos de exigir amor em contrapartida; somente sentimos o espírito da liberdade nas veias quando abdicamos de aprisionar o desejo de alguém à nossa vontade. Sem dúvida, a recíproca igualmente se aplica. Esta postura traz consigo a nau da dignidade a navegar nos mares tranquilos da paz impulsionada pelas brisas suaves da felicidade sem fim”.


Falei que entendia e apreciava cada palavra dita pelo sapateiro. No entanto, confessei, eu tinha certa dificuldade em aplicar aquela teoria à prática. Acrescentei que sentia ciúmes pois desconfiava que ela não era sincera em nosso relacionamento. Acrescentei que ninguém gosta de ser enganado. A insegurança alimentava o meu descontrole. O artesão me olhou com bondade e disse: “A perfeita tradução do ciúme é o medo de alguém se desinteressar em viver ao nosso lado por desejar outra pessoa. Acreditamos que ao estabelecer regras, fiscalização e controles estaremos a salvos. Só se for a salvo de sermos livres, pois na realidade, contruímos as nossas próprias prisões nas quais somos prisioneiros e carcereiros um do outro, simultaneamente. Uma absurda situação na qual o prisioneiro não pode sair, pois é impedido pelo carcereiro, e este, também resta aprisionado na função de vigiar eternamente o outro no cárcere da infelicidade”.


“Claro que ninguém gosta de ser enganado. O segredo está em entender que é mil vezes melhor que roubem meus sonhos do que eu ser o ladrão dos sonhos de alguém. Tenho comigo a capacidade infinita de me recriar, de inventar um novo sonho para seguir livre, leve, feliz e em paz. Ao ladrão resta o pesado fardo do furto, de desemaranhar das teias da fraude em que se enroscou. Toda a alegria oriunda de qualquer das ferramentas das sombras é breve como uma chuva forte de verão, que após algum alívio deixa um enorme rastro de destruição dentro de quem provocou a tempestade. Se você prestar atenção perceberá que, no fundo, todo mal é efêmero no destinatário e ancora pesado na esfera do remetente. É impossível ser feliz no exercício das sombras”.


“A mentira é uma sombra tão poderosa que, além de contaminar todas as relações, facilmente se torna um vício difícil de largar. O mentiroso não percebe que a mentira, em essência, é uma falta de respeito para com ele mesmo. A mentira revela não apenas a dificuldade em tratar com a verdade, de ver a real face através do perfeito espelho que é um relacionamento, mas desperdiça a oportunidade de ser autêntico; de evoluir. Enquanto o indivíduo se esconder nas fantasias da mentira não entenderá quem é. Isto o impedirá se tornar uma pessoa diferente e melhor. Como consequência não conseguirá manter a leveza indispensável a qualquer romance. Então, o outro logo se sentirá desconfortável, ainda que não descubra a mentira, e desejará partir. Embora naquele instante desconheça que é mentira o que lhe contam, se sente desinteressado pelo romance, pois a fraude poluiu a atmosfera do amor. Não esqueça que o universo se compõe de energias de múltiplas frequências que se entrelaçam para nos conduzir à perfeição. Não há como ignorar esta Lei. A mentira é um feitiço que sempre envenenará a porção na qual o feiticeiro terá que beber. Há que se ter compaixão”.


“Todo o romance nasce para se tornar uma linda história de amor. É como um balão que para se manter suspenso no ar precisa estar sustentado por uma substância mais leve que o próprio ar. Apenas o amor possui tal sutileza. Então, quanto mais amor maior a altura atingida pelo balão. Contudo, a mentira, em qualquer das suas espécies, é como um gás denso e pesado que contamina o amor, sempre sutil. Amor e mentira são substâncias que não se misturam; a mentira faz o amor desaparecer. Aos poucos o balão perde altitude e acaba se destruindo nas pedras da ignorância, do medo e do egoísmo”. Bebeu mais gole do vinho e concluiu: “Para viver um grande amor é preciso confiar, é necessário ter pureza. Não há porque ter receio, pois se houver mentira o amor não se sustentará”. Tornei a interromper para dizer a frustração causa muita dor. O sapateiro negou: “Frustração não precisa ser sinônimo de sofrimento. A frustração pode trazer superação e crescimento. Depende apenas de como você se comportará diante da situação. Lembre sempre que ninguém precisa de ninguém para ser feliz, uma vez que a felicidade é um tesouro escondido dentro de cada um de nós. No entanto, precisamos dos outros para dividir a beleza que nos habita, aprender e ensinar; os relacionamentos são primordiais para nos tornar pessoas melhores quando há empenho em aparar as arestas e pacificar o convívio com todos. No mais, a Lei das Infinitas Oportunidades sempre permitirá que uma nova história de amor seja escrita em sua vida. Basta aprender a lição. Afinal, o término de um ciclo sempre será o início de outro”.


Falei que o discurso beirava a poesia, mas a vida era bem diferente. Durvalino balançou a cabeça em negação e disse: “O ciúme é absolutamente desnecessário. Da mesma maneira que ninguém precisa se comportar como um detetive a investigar a existência de supostas mentiras”. Eu quis saber qual a sugestão dele. O sapateiro foi didático: “Entenda a Leis Universais e como funcionam. Perceba que são inexoráveis. Dos simples pensamentos às escolhas mais sofisticadas, nada passa desapercebido. As consequências que nos atingem são um método sábio e amoroso de justiça e educação. Isto torna cada indivíduo construtor e herdeiro do próprio destino. Portanto, nunca cabe lamento, apenas empenho na transformação para que o dia seguinte seja diferente. Respeite as escolhas alheias, se dedique a fazer a parte que lhe cabe da melhor maneira possível e siga em paz. Você sempre receberá na exata régua do seu merecimento e, por consequência, das lições seguintes à sua evolução. O rigor ou a suavidade do Caminho se definem pela maneira de o andarilho pisar no chão”. 


Esvaziou o copo e disse: “Durante uma tempestade, não se abale. Aceite-a como uma oportunidade de fortalecimento e aprendizado; acima de tudo, se mantenha firme nos fundamentos da luz e se encante com a resposta do tempo. Assim nos aperfeiçoamos como viajantes do Caminho. A luz é um eficiente escudo, uma espada sábia e as asas mais poderosas que algum dia um poeta foi capaz de imaginar”. 


Olhou-me nos olhos e prosseguiu: “A luz é a magia da Pedra Filosofal codificada pelos alquimistas, o segredo capaz de transformar chumbo em ouro, o sem fim após a finitude. É o Graal escondido pelos Templários; o nirvana das tradições orientais; a porta estreita da sabedoria ocidental. Ou, simplesmente, o empenho na unificação e no exercício de todas as virtudes em si, como ensinam os esotéricos”. Deu de ombros e finalizou: “A luz está à disposição de todos, mas poucos têm a ousadia de aprender a usá-la. Então, sofrem desnecessariamente”.

Saí dali satisfeito. Não concordava em tudo. Más entendi e percebi que sou mais um escravo do ciúme!...


Valmiro Colibri

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