quinta-feira, 25 de setembro de 2025

LITERATURA - O SILÊNCIO DA INICIAÇÃO - POR ZEZINHO CASANOVA


CRÔNICA: O SILÊNCIO DA INICIAÇÃO 


Naquela noite de lua cheia, o silêncio da cidade parecia cúmplice de algo maior. Os sinos já haviam emudecido e apenas os  meus passos lentos  se faziam ouvir pelas ruas de pedra. Eu não era mais apenas um homem comum: tinha acabado de atravessar o limiar da porta de um Templo maçônico.


Nunca esquecerei aquela noite. A porta do Templo fechou-se atrás de mim, e de repente senti que o mundo lá fora ficava distante, como se eu tivesse atravessado um limiar invisível. O coração batia forte: não de medo, mas da estranha certeza de que eu não voltaria a ser o mesmo.


Havia um silêncio diferente, carregado de significados. Não era apenas a ausência de som, mas uma presença invisível que parecia me observar. Meus passos eram guiados, e cada gesto que me pediam parecia conter uma lição oculta.


Por um instante, percebi que estava cego para o mundo de sempre e foi nesse breu que comecei a enxergar a mim mesmo. Descobri que a escuridão também fala, e fala de nós.


Tive um encontro com GADU , o Grande arquiteto do universo, causa primeira ou primária de todas as coisas.


Senti na pele o peso da iniciação, onde o mundo profano se despia diante de meus olhos. O jovem Joaquim agora carregava o título de Aprendiz, mas queria ser Companheiro de todos. O olhar curioso perscrutava cada detalhe: o esquadro e o compasso sobre o altar, o Sol e a Lua pintados nas paredes, o Oriente iluminado pela presença do Venerável Mestre, suas palavras eram  firmes, mas suaves. Ele não falava comigo apenas como indivíduo, mas como pedra bruta que precisava ser lapidada. Eu era, naquele momento, aprendiz de mim mesmo.        


-  Lembre-se, irmão, - Sussurrou-lhe um Companheiro de jornada. —-Aqui cada gesto é um símbolo, e cada símbolo guarda uma verdade.


Vi símbolos que não se explicavam em voz alta, mas que se gravaram no coração: a régua que mede, o esquadro que orienta, o compasso que limita e ensina equilíbrio. Compreendi que não são ferramentas de construção apenas para pedras, mas para homens.



Quando finalmente me falaram da Luz, senti que não era apenas uma vela ou uma chama: era um despertar. A Luz não vinha de fora, mas de dentro, como se a chama que acenderam diante de mim acendesse também algo em meu peito.


No final, já não era o mesmo homem que entrou. Eu havia sido tocado pelo mistério da fraternidade e pela promessa silenciosa de trabalhar em mim todos os dias.

Não me deram respostas prontas, mas me mostraram que as perguntas certas são mais importantes do que certezas fáceis.


No canto, os mais antigos, já mestres, observavam em silêncio. Um deles, de cabelos brancos e palavras medidas, era respeitado como Grão-Mestre. Carregava nos ombros não apenas a sabedoria dos anos, mas também a responsabilidade de guiar homens em busca da Luz.



Ouvi  histórias sobre o lendário grau 33, onde a sabedoria alcança o cume de uma montanha invisível. Mas compreendi que mais importante que qualquer título era a prática da caridade, discreta e silenciosa, que a Ordem exercia para além dos muros do Templo: alimentar famílias, amparar viúvas, educar órfãos.


Numa das rodas de conversa, alguém contou a lenda do bode preto, criatura sempre associada ao desconhecido, ao que a imaginação popular não compreende. Quando os amigos faziam perguntas sobre isso eu sorria  e dizia:


- O bode preto sou eu! - 


Aprendi que o mito não passava de um espelho da ignorância dos de fora, que transformavam mistério em medo.


Entre os símbolos, os sinais discretos e as lendas, eu  descobria algo maior: a maçonaria não era feita apenas de rituais, mas de homens e mulheres que, no silêncio, buscavam melhorar a si mesmos para melhorar o mundo.


Sim, mulheres. Nos encontros sociais  as Samaritanas, , cunhadas, companheiras que, com ternura e firmeza, sustentavam a fraternidade em atos de apoio, solidariedade e partilha. Elas não ocupavam o mesmo espaço ritual dos irmãos, mas sua presença era tão essencial quanto o compasso no desenho da vida.


O tempo passou, e  eu , o jovem Joaquim deixou de ser apenas aprendiz. Tornou-se Companheiro, e mais tarde Mestre. Em cada grau, entendia que os mistérios não estavam apenas nos sinais secretos ou nas lendas, mas no silêncio de aprender a ouvir, no trabalho de talhar a pedra bruta de si mesmo.


Hoje, já idoso, sentado na varanda,  escreve minhas memórias. Sorri ao lembrar da juventude e dos segredos que tanto me  encantaram. Escreve, como quem deixa um recado aos que buscam a mesma jornada:


"A maçonaria é feita de símbolos que o tempo não apaga. O bode preto é apenas lenda; o verdadeiro mistério está no coração humano. O grau 33 não é um trono, mas um estado de espírito. E a caridade, essa sim, é o maior dos rituais."



Compreendi que os mistérios da maçonaria não são para serem revelados, mas vividos. Pois o verdadeiro segredo não está guardado em um templo, mas na alma de cada iniciado que, entre luzes e sombras, busca ser melhor do que foi ontem.


Quando caminho pelas ruas, lembro da minha iniciação. As pessoas me veem como o mesmo Joaquim de sempre, mas dentro de mim sei que algo mudou. Aprendi que a maçonaria não revela segredos, ela desperta os segredos que já estavam adormecidos na alma.


E assim sigo, com humildade, na longa estrada de lapidar a pedra bruta que ainda sou à sombra de uma Acácia amarela.


José Casanova


Professor, Jornalista, Escritor e cronista


Membro da Academia Bacabalense de Letras


Academia Mundial de Letras da Humanidade


Tutor da Academia Maranhense de Letras Infantojuvenil


 


 



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