domingo, 21 de abril de 2013



DONA ANAZILDE

Além de carregar o pesado fardo
De nascer preta e pobre nesse país
Carregava dois filhos
Fruto de um casamento fracassado
E a vida ainda lhe deu como cruel esmola
Uma escoliose
Que como cruz
Deixou sua costa deformada.

As coisas nunca foram fáceis
Sua historia de luta
Daria livros e livros
Escritos a mão,
A mesma que amassou o pão asno
Que sustentou a prole.

A vida lhe deu agua e limão
Mas não lhe deu açúcar
Para adoçar a limonada
E para aumentar o amargor
Dos seus dias enfadonhos
Adoçou seu sangue
Lhe deixando até seu último suspiro
Refém da insulina.

Era o amos de nossas vidas
Tinha orgulho dos filhos
Dos netos, dos adotivos.
Tinha nos tristes olhos
O sol que mantinha acesa
A chama de um amanhã sem dificuldades.
Nos dentes mal cuidados,
Um sorriso sem graça
Amarelo, mas acima de tudo,
Um sorriso humano.
Suas palavras soavam como orações
E aniquilavam o ódio,
O mau humor, o rancor.

A soda cáustica, o acido acético,
A química de um viver corroído
Aliviado pelo trigo e pelo suco ensacado e congelado
Foi conservado pelo vinagre de álcool,
Irrigador da minha eterna embriaguez
Onde meus pensamentos
Se fundem e se confundem
Na lembrança viva
Da sua morte anunciada.

Zé Lopes

Retirada do livro ”Bacabal  ALVES DE ABREU SOUZA E SILDA  DE MENDONÇA E DA INFÂNCIA PERDIDA de Zé Lopes

” 

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