quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

COM A PALAVRA - BENEDITA INFÂNCIA BENDITA - PPR ZÉ CARLOS GONÇALVES

 

BENEDITA INFÂNCIA BENDITA 


    Às vezes, fico a imaginar o quanto vivemos uma vida simples e descomplicada. Um viver salutar, que nos fez "mais gente", a viver no ritmo do tempo, sem a obrigatoriedade de correr a voraz pressa.

   A verdade é que a nossa infância nos legou uma herança, cheia de satisfações e lembranças, que nos sustentam no transcorrer de nossas jornadas.

     E, por tais lembranças, sabemos "o gosto" de correr na rua, como moleques e molecas sadios, sem o onipresente medo de tanta violência; o gosto de jogar pelada na maciez da piçarra, "a perder o couro dos joelhos"; o gosto de trepar em árvores, mesmo sem a capacidade de descer, e "passar" uma situação das mais vexatórias e aflitivas, a esperar o socorro de um amigo; o gosto de colher e comer frutas, a nosso gosto, "pegadas direto" do pé; o gosto de brincar as brincadeiras noturnas, com o gosto da mais livre liberdade; o gosto de ir a aniversários, em que o bolo, sem canhenguice, "enchia o bucho" e o pratinho, levado para casa, como um sagrado ritual; o gosto de dançar música lenta, ensaiando os ensaios das primeiras conquistas; o gosto de papear na porta da rua, regado a café com leite e bolo de tapioca, com muita conversa e gaitadas; o gosto de ler o proibido Gibi, escondido dentro da cartilha ou da tabuada, com a ilusão de ter iludido a mãe; o gosto de ter contato físico e um bom papo, ao ficar cara a cara com o próximo; o gosto de ser assíduo à missa ou ao culto, sem patrulhamento; o gosto de estudar o catecismo, nas tardes de sábado, e ter a certeza de ser o maior conhecedor dos mistérios sagrados; o gosto de considerar pessoas como pessoas, no trato de todo dia; o gosto de ter amigos, em carne e osso, com quem se podia contar e conversar, na mais absoluta sinceridade; o gosto de ter o direito de ser criança, sem a ameaça do consultório médico (...)

   E, com certeza, a certeza de nossa felicidade, em uma tremenda ironia, vem de termos sido desprovidos de todos essas parafernálias e esses  recursos tecnológicos, disponíveis hoje, que iludem com a ilusão de que facilitam a vida. E, se facilitam, castram a espontaneidade de inventar as mais inocentes e enriquecedoras invenções. O carrinho de lata, a borroca e suas petecas, o pião, o chucho, a fazenda de boi (de manguinha verde, de vidrinho de remédio, de tamboeira), a pipa, a bola de bexiga de porco, cheia de água, a boneca de pano ou de palha de milho, a casinha no fundo do quintal ...

     A verdade é que vivemos de modo simples e intenso, o que nos faz privilegiados. E, sem dúvida, a nossa época de infância é única, e nunca terá outra igual, mesmo com todas as facilidades, surgidas depois; pois tudo o que foi vivido, daquela forma, jamais se irá repetir. Um período tão rico e humano.

     E o melhor é que não há surpresa alguma, de que fomos, e somos, felizes e sabemos!


          Zé Carlos Gonçalves

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