terça-feira, 20 de agosto de 2013

COMPORTAMENTO

BEIJA EU... SELINHO NÃO DÓI
Emerson Sheik é o maior brasileiro vivo. Pelo menos é essa a conclusão que cheguei após levar ao extremo a máxima de Ortega y Gasset de que o “homem é o homem e a sua circunstância”. Se a frase do filósofo espanhol servir de guia, temos de declarar essa posição ao menos como defensável. Nenhum brasileiro despido de prerrogativas (políticos, CEOs e reis-momo excluídos, portanto) faz esquina com tanto temas-chave. Quais são as esquinas, as circunstâncias de Márcio Passos de Albuquerque, o maior jogador catariano da história do futebol nacional, tricampeão brasileiro, campeão mundial e herói da Libertadores?


























(Foto: Reprodução/Instagram)
Emerson Sheik faz esquina com a sexualidade. Ao dar um beijo num amigo, Emerson Sheik desatou a fúria dos cretinos de muitos cortes. Os cretinos de corte furioso chegaram a carregar faixas para cobrar a ofensa ao que consideram a identidade de seu clube – como se o Corinthians, e qualquer time, mas mais ainda o Corinthians, o time da Democracia, não fosse capaz de comportar um “selinho” na sua coleção de histórias. Os cretinos de corte conciliador se dividiram. Parte viu no selinho uma peça de ação instrumental: beijando, Emerson estaria desviando a atenção do que anda fazendo (ou não fazendo) em campo. Outra parte foi além, e viu ali uma provocação, ainda que corajosa, para levar ao rompimento com alguma instância de poder no Corinthians, da torcida aos dirigentes. O que as duas bandas de cretinos (de corte furioso e de corte conciliador) não admitem é que um jogador brasileiro possa, por si, tomar a iniciativa política além do “prescrito” e do “tutelado”. O que incomoda a esses cretinos é que o jogador brasileiro não seja um condenado à infância. Pois Emerson Sheik quebrou isso, e bem demais. Ao escolher mexer no vespeiro de uma identidade masculina que passa por mulher e futebol, Sheik fez na crônica esportiva o trabalho de um Black Bloc inteiro.









(Foto: Marcos Ribolli/Globoesporte.com)
Emerson Sheik faz esquina também com a negação do que eu chamo de “vergonha do macaco”, que é “a coceira moral diante da presença real ou intuída do macaco”. Em geral, o brasileiro nega o macaco e faz questão de apagar os traços de sua presença nas ruas, muros e geladeiras. O brasileiro é capaz de se assombrar com um esquilo no Central Park só por fingimento, só para desmentir, no tribunal do mundo, que seu país tenha um pouco de floresta. Mas não Emerson Sheik. Emerson Sheik cria e exibe uma macaca chamadaCuta. Cuta acompanha Sheik, faz Sheik penar de apreensão quando fica doente e até define a sala de Sheik, como o ponto focal de um quadro carregado de simbolismo:













No quadro, Sheik, um palácio oriental e Cuta. A imagem é um cruzamento de dois universos: o kitsch e o épico. Em tal proporção, só vi algo semelhante nos gostos pictóricos também híbridos da família de Saddam Hussein no Iraque: um encontro de revista Heavy Metal com muralismo mexicano (Foto: Leandro Canônico)
Emerson Sheik faz esquina sobretudo com o primado do folclore. O primado do folclore dá conta da prevalência de categorias míticas em ramos da vida brasileira em que convivem o lúdico e o industrial, como no futebol. No futebol, queiram ou não os cabeças-de-planilha, o que dá as cartas nesta terra é o potencial narrativo (de se contar) e poético (de se inventar) dos atores. Desde os anos 1990, quando se tornou moda entre os boleiros exaltar as formas, os títulos e os maneirismos dos “países onde imperava o profissionalismo”, há um contrafluxo que se reflete, entre outros aspectos, nos nomes dos jogadores saídos da base: no lugar de betos fuscão, uma legião de nomes compostos de engenheiros e despachantes. O que Emerson Sheik representa nesta luta entre primado e contrafluxo é a resistência e a renovação do mesmo. Para colocar em termos históricos, Emerson Sheik é o chefe dos “Novos Turcos” do futebol brasileiro, uma nova forma de defender (e reinterpretar) a tradição de um esporte que, entre nós, é inseparável do folclore. No limite, Sheik é o Curupira e o homem que fala do Curupira, tudo numa figura só. Para evitar atraso, Sheik já pousou de helicóptero num treino. No Corinthians, provocou o Palmeiras à beira da degola. Cantou música do Flamengo no ônibus do Fluminense.
Em entrevista recente ao Globoesporte.com, Emerson Sheik afirmou o seguinte:
“Hoje eu sou atleta, mas também já fui torcedor. Eu via Edmundo, Marcelinho Carioca, Paulo Nunes, Renato Gaúcho… Caras que faziam brincadeiras, zoeiras, algo que sempre achei bacana. Cresci vendo esses caras e acho que a essência do futebol é exatamente essa. Hoje perdemos um pouco disso.”
“É difícil achar algum atleta que faça esse tipo de brincadeiras hoje em dia. Estou me sentindo muito sozinho (risos). Mas eu sou muito criticado por isso. As pessoas levam para um lado pejorativo. Nunca entendem como brincadeira, mas sempre como ofensa. E não é. O torcedor gosta de ver os atletas brincando.”
“Espero que o futebol não fique mais chato depois que eu me aposentar, porque
ainda quero estar no meio, participar de algum jeito que ainda não sei. É o que gosto de fazer. Espero que essa garotada possa se espelhar nos jogadores que citei do passado, e em mim no presente, para que essa magia continue.”
Carreguem esse homem em passeata.











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