quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

NÚMERO DE HOMICÍDIOS CRESCE 460% EM 13 ANOS NO MARANHÃO


A barbárie nos presídios do Maranhão é o ponto alto de uma crise cujos sintomas já se revelavam desde a década passada nos dados de segurança do Estado. Entre o ano de 2000 e 2013, os homicídios em São Luís e na região metropolitana cresceram 460%. Foram 807 mortes em 2013. Contribuiu para a epidemia de violência o fato de o Maranhão ter a menor relação de policiais por habitante no Brasil. Há um policial para cada 710 moradores, proporção que em Brasília, a mais alta, é de 1 para 135 pessoas.

O descaso, a falta de vagas e de investimento no sistema penitenciário também já vinham sendo apontados pelas autoridades, como nos mutirões feitos pelo Conselho Nacional de Justiça. As penitenciárias são precárias e superlotadas. Há 1,9 preso por vaga no sistema maranhense, proporção que coloca as prisões do Estado no 7.º lugar entre as mais lotadas do País, índice semelhante ao de São Paulo.

Apesar da superlotação do sistema maranhense, contudo, o Estado tem 100,6 presos por 100 mil habitantes, a menor proporção do Brasil. "O modelo de segurança pública no Estado está falido", diz o advogado Luiz Antonio Pedrosa, da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Maranhão. "As facções criminosas se formaram e conseguiram um amplo espaço para avançar em um Estado com problemas sociais dramáticos."

O problema da violência no Maranhão dentro e fora dos presídios se agravou a partir de 2010, quando foi anunciada pelos presos a criação do Primeiro Comando do Maranhão (PCM). A facção rival, Bonde dos 40, surgiu logo na sequência. O enfrentamento entre os grupos se acentuou nos meses seguintes, em um ambiente penitenciário sem controle, com uma frágil política de segurança pública.

Erro

A secretária estadual de Direitos Humanos e Assistência Social, Luiza de Fátima Amorim Oliveira, admite o que o governo errou. "Infelizmente, nós falhamos, houve um erro de gestão nesse sentido", disse ela, que foi ao enterro da menina Ana Clara de Sousa, de 6 anos, que estava em um ônibus incendiado por criminosos e teve 95% do corpo queimado.

Luiza afirma que, nesse momento, a ajuda do governo federal e de outros órgãos é fundamental. "Não tem como resolver sozinho essa situação. É preciso conjugar esforços, para que não aconteça mais", disse. O governo estadual tenta mostrar que faz a sua parte prendendo suspeitos de participar dos ataques a delegacias e a ônibus. "A repressão já está sendo feita. Os adolescentes (envolvidos nos crimes) foram presos."

Agora, segundo Luiza, é preciso cuidado para que não seja alimentada a espiral de violência, tanto nas prisões quanto nas unidades socioeducativas, onde o modelo de facções também se repete. "Quando eles (presos) ficaram cientes de que a Ana Clara morreu, começou uma retaliação, uma pressão interna contra esses adolescentes que estão lá. Então, nós tivemos de separá-los", diz.

Críticas


Nas prisões, parentes de suspeitos de participar da nova onda de ataques acusam o governo do Estado de fazer prisões arbitrárias só para dar uma resposta à sociedade. A cozinheira Lucicleide Melônio do Nascimento, de 39 anos, afirma que o filho dela, Luís Gustavo Melônio, 18, foi preso injustamente. Ele foi detido sob suspeita de atirar em uma delegacia no bairro São Francisco, em São Luís. "Ele já tinha carteira assinada, ia prestar concurso. Agora, apareceu em rede nacional, já foi condenado", disse. "E pode ser mais um morto, porque nós sabemos, o País todo sabe, o que acontece nos presídios do Maranhão."

EM CADEIA SUPERLOTADA NO MA, PRESOS COMEM ARROZ E GALINHA CRUA


"Quem dorme no chão está na praia". A "praia" descrita por Pedro (os nomes são fictícios), 33, porém, está bem longe do mar. Mar ali, apenas de gente. Muita gente.

A Folha visitou um dos presídios superlotados de São Luís. São cerca de 200 homens, o dobro da capacidade. Não integra o complexo de Pedrinhas, mas tem problemas similares aos do maior conjunto prisional do Estado, cenário de 62 mortes desde 2013.

Os detentos reclamam muito da realidade da cadeia, mas alguns temem a ideia de um dia voltar para Pedrinhas.

Ao passar pelos corredores, a sensação é a de uma bomba prestes a explodir. Pedro e os colegas mostram o espaço onde vivem: 13 dividem uma área onde, inicialmente, caberiam quatro.

Em seguida, demonstram o malabarismo para dormir. Deitam-se rentes aos outros no chão, sem nenhum forro. Dois dormem embaixo da base de concreto que serve de cama. Estas, com colchões, são divididas por dois presos em cada uma delas.

Depois da superlotação, a comida é, de longe, a principal queixa dos presos. Só há arroz e galinha. Pior: crua.

Daniel aponta para o chão e mostra uma chapa que funciona como fogão. "A gente precisa terminar de cozinhar pra conseguir comer", diz.

O mau cheiro local vem de uma mistura de fezes, urina e comida estragada. O calor forte só acentua a náusea.

O banheiro forma-se a partir de uma parede incompleta, na altura da cintura. Cobre-se o restante com panos.

RODÍZIO DE SOL

A falta de espaço impõe um rodízio até no banho de sol. Quem não poderá circular a céu aberto terá de ficar confinado na cela.

Em outro espaço visitado, presos se amontoam no corredor, onde desembocam para mexer um pouco as pernas.

"Aqui é um caldeirão do inferno. Mas eu não quero voltar pra Pedrinhas nunca mais. Ali, só Jesus", diz um detento. "Estão matando todo mundo lá, Deus me livre", completa outro.

“FALTA UMA AÇÃO DURA DO ESTADO”, DIZ DELEGADO LUÍS MOURA SOBRE INSEGURANÇA


Conhecido pela linha dura com que costumava conduzir as ações policiais sob seu comando, o delegado Luís Moura, hoje distante da mídia, apesar de ainda estar na ativa na Polícia Civil, comentou a onda de violência que ora se abate sobre o Maranhão, sobretudo em São Luís, com repercussão em todo o Brasil e até no exterior. Na opinião do experiente delegado, absolvido em 2012 no processo em que figurava como envolvido com o crime organizado, falta uma ação implacável do Estado para eliminar de vez a bandidagem, que se insurge com audácia crescente contra os cidadãos e até mesmo contra o sistema de segurança pública.

Em reunião que celebrou o aniversário do deputado estadual Manoel Ribeiro, Luís Moura não se furtou a comentar as ações criminosas e o desempenho da polícia no enfrentamento aos facínoras, que, entre tantas barbaridades, assassinaram uma menina de apenas 6 anos ao incendiar o ônibus em que ela viajava com a mãe e uma irmã menor, também feridas gravemente.

Luís Moura defendeu uma ação enérgica das forças de segurança pública. Para ele, só o rigor extremo levará os bandidos a um recuo. “Um cara como aquele que queimou a menina não poderia estar vivo”, chegou a comentar para uma plateia formada por políticos, empresários e outras pessoas de destaque na sociedade local.

O delegado sabe o que fala, pois comandou, no início da década de 90, a Operação Tigre, um dos esforços mais bem sucedidos do governo maranhense no combate ao crime em toda a história. O governador da época era o hoje senador João Alberto, que com ele divide a fama de ter pacificado o estado em um momento de profunda tensão.

Luís Moura aproveitou a ocasião para desfazer um equívoco em relação ao episódio. Segundo ele, a Operação Tigre foi ordenada pelo então governador Epitácio Cafeteira antes de passar o mandato ao vice, João Alberto, para disputar vaga no Senado. Segundo ele, coube a João Alberto executar a ideia, que só vingou porque o sucessor seguiu a orientação de Cafeteira à risca.

O delegado vem sendo instado pelos secretários de Estado de Educação, Pedro Fernandes, e de Esportes, Joaquim Haickel, a registrar sua trajetória policial em livro, com ênfase para a Operação Tigre. Se concebida, a obra, certamente, trará várias passagens interessantes, que poderão servir de lição para os que hoje comandam, sem muito sucesso, a segurança pública do Maranhão.




Nenhum comentário:

Postar um comentário