Por José
Sarney
Em
matéria de greve ninguém tem mais experiência que eu. Não em fazê-las, mas a de
conviver com elas. Quando fui presidente da República enfrentei doze mil e
tantas greves — o número exato deve estar nos arquivos da Abin, que sucedeu ao
SNI do meu tempo.
Noventa
por cento delas de caráter político, pois tinham a finalidade de desestabilizar
o governo, por sua investidura com a morte, sempre lamentada, de Tancredo
Neves. O momento era difícil, pois era um período de transição de regime
autoritário para os ventos da liberdade de uma democracia plena.
Sabe Deus
o que me custou lidar com elas. Forças políticas e setores do poder econômico
não admitiam que tivéssemos sucesso e buscavam o caos, com vistas em minha
deposição. Mas, com as virtudes da paciência quase bíblica, venci essas
agruras, a democracia não morreu em minhas mãos e entreguei o País
democratizado, com o fim do militarismo (que por definição é agregação de poder
político ao poder militar) e vivemos estes anos de absoluta liberdade, eleições
livres, alternância de poder e a cidadania forte.
Agora
vemos o quanto de perplexidade e incerteza vive o País com a paralização das
estradas e, como consequência, o fim do abastecimento.
Tenho
sido profeta, embora melhor seria que não o fosse. Condenei a Constituição de
1988 dizendo que o País ia ficar ingovernável. E ficou. Condenei esse modelo
rodoviário, com o sucateamento das estradas de ferro e a resistência de um País
tão cheio de rios navegáveis às hidrovias. Contra minha opinião a Constituinte
acabou com o Fundo Rodoviário Nacional, e os recursos que o constituíam foram
transferidos para o ICMS, com a destinação em grande parte para a ação
política.
Recebi um
boné de ferroviário quando preguei e fiz um plano para implantação de ferrovias
no país. Quis fazer a Norte-Sul, mas não deixaram, e Lula muitas vezes
penitenciou-se por combatê-la — e a fez. Conclui a Estrada do Aço e a
inaugurei. Tentei fazer a Leste-Oeste, ligando Mato Grosso aos portos de nossa
Costa, e deixar uma rede ferroviária que pudesse ser operada mais barato e
diminuir nossa dependência do petróleo. Não deixaram. Quase me matam, tantas
críticas e resistências!
No
Maranhão salvei a ferrovia São Luís-Teresina dos planos de Geipot — o Grupo Executivo
de Integração da Política de Transporte, que a partir de 1965 comandou o setor
na área federal — de erradicação das estradas deficitárias, como fizeram no
Pará com a Bragantina (Belém-Bragança). E ela sobreviveu e leva combustível
para todo o Meio Norte, até ao Ceará.
Agora
estamos vivendo os efeitos dessa falta. Na raiz dessa grande e até agora não
resolvida crise está a vulnerabilidade de nossa malha de transporte, a
totalmente estrangulada malha rodoviária e a ausência de redes ferroviária e
hidroviária. Somos totalmente dependentes dessas estradas rodoviárias sempre
estragadas e sobrecarregadas. Disse que isso ia acontecer e aconteceu.
Restou-me
apenas o boné que os ferroviários de deram, como sendo o “Presidente
Ferroviário”.
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