A DEFESA DO RÉU GREGÓRIO FORTUNATO - PRIMEIRA PARTE
Na noite do dia 4 para 5 de agosto de 1954, na Rua Toneleiro, Rio de Janeiro, o jornalista Carlos Lacerda foi vítima de disparos de armas de fogo, produzidos por Climério de Almeida e outros acusados. Carlos Lacerda, crítico ferrenho do governo Vargas, foi baleado, mas não morreu, porém, o oficial da Aeronáutica, Major Florentino Vaz, não teve sorte e morreu ao tentar defender o jornalista. O promotor de Justiça Raul de Araújo Jorge e os advogados Adauto Lúcio Cardoso e Hugo Baldessarini, fizeram a acusação do negro Gregório Fortunato, homem forte da segurança de Getúlio Vargas. Ele foi acusado como sendo o mandante do crime contra Lacerda, como ele não morreu, Gregório e os outros foram acusados por prática de crime de tentativa de homicídio e homicídio consumado. Falei sobre como foi feita a acusação contra Gregório. Hoje falo sobre como foi feita a defesa do homem forte de Vargas. O advogado de defesa foi Carlos de Araújo Lima. O advogado começou a sua fala dizendo logo o seguinte: Lacerda não é brasileiro, apenas nasceu no Brasil. Ele é apenas um agente do capital estrangeiro, capital esse que quer submeter o nosso país ao seu domínio completo. O Lacerda é o próprio crime. Vive a fazer campanha contra a honra alheia. Ele é o único responsável pelas agressões contra si, pois faz da agressão contra as pessoas, adubo para a sua carreira e sua propaganda eleitoral. Os acusadores daquela tribuna usaram de violência passional permanente contra a dignidade e a honra desse negro. Esse homem, posso afirmar, foi impelido por um motivo nobre, quando esse desalmado jornalista desonrou um pobre, velho e presidente abandonado. Esse negro que é a apresentação sincera da piedade pelo ilustre presidente Vargas. A nação assiste a esse espetáculo contraditório, espantoso e quase inverossímil. Ora, como pode o colega passionalíssimo e deputado Adauto Lúcio Cardoso vir aqui dizer que está defendendo Getúlio Vargas acusando Gregório!? Vem dizer que Gregório desonrou Vargas e sua família! Sabem quem desonrou Vargas? O Carlos Lacerda aqui presente. Esse sim, sobrevive desonrando as famílias das pessoas sérias. Vocês da acusação estão rindo? Vocês se agitam? Nós da defesa estamos sem nenhum temor. Estamos nos sentindo bem. Estamos até eufóricos, senhores jurados. Aqui estamos buscando a favor do nosso digno, honrado, amigo e constituinte, apenas justiça. Ele não receia olhar para os senhores jurados, pois tem a consciência tranquila. Os senhores da acusação riem novamente e forçam o digno magistrado tocar a campainha do silêncio. Olhem, jurados, a paixão da acusação! Vejam e sintam a inconsciência da acusação, jurados. Eles pretendem perturbar a serenidade crítica dos senhores juízes. Mas isso se explica. Isso se compreende. Eles da acusação não sabem respeitar, eles apenas pregam a moralização dos nossos costumes, mas têm medo da verdade. Por que falo isso frontalmente? Para me dirigir também à imprensa. Os tempos mudaram, senhores. A imprensa não pode desencadear excitação desenfreada fazendo uso da mentira. As emissoras de rádio estão levando para todo o território nacional o que se passa aqui no salão do júri. As emissoras estão levando para fora as incontinências da acusação, a realidade dos autos e, pela primeira vez, a palavra da defesa. Agora fiquem sabendo por que a defesa está tranquila e segura. É porque estamos descortinando a verdade. Vocês partidários de Carlos Lacerda que tanto falam de moralização cívica e institucional, respeitem esse tribunal. Vocês vivem a repetir que estamos mal; que nosso país está mal; que estamos à beira do abismo. Porém, Vargas rompeu com o ajuste dos minérios com o apoio das forças armadas. Vargas criou a legislação do trabalho, Petrobrás, Eletrobrás, inúmeras escolas. Foi o rádio que operou o milagre. Até Dom Helder Câmara escreveu a Lacerda: Você está errado nos argumentos contra os critérios que estão sendo postos para as obras de amparo aos favelados. Disse o padre: “cuidado, Carlos Lacerda, para não superpor a sua paixão aos interesses do país: não se entristeça se lhe chegarem notícias de atos acertados do Governo...” Lacerda, diz o padre citando o apóstolo Mateus: não julgueis e não sereis julgados. Com o mesmo juízo com que jugardes, sereis julgados e com a mesma medida com que medirdes sereis medidos. Reconheço que o jornalista, com sua missão de orientar o público, tem de conciliar passagens como estas, da escritura sagrada, com seu trabalho profissional. O jornalista deve ter escrúpulo, agir dentro dos limites da moral e não aniquilar a criatura humana por mais miserável que ela seja. Disse o advogado. Continuou o advogado Carlos Araújo Lima: Lacerda, a sua responsabilidade é tremenda. Olhando-o pessoalmente aqui no salão do juri, és tão sereno e equilibrado, mas diante da máquina e do microfone você rompe todas as medidas e é capaz de todos os excessos. Até creio que as suas intenções são aparentemente boas, mas as consequências são terríveis. Estou pensando não só nos jovens e amigos seus que vão até as últimas consequências, mas também nas pessoas que são incapazes de matar uma mosca, que se tomam por ódio por causa das suas ideias de rancor. Porém, pergunto: por que a culpa estaria em Gregório? Por que a culpa é desse negro que agora olha para você com tanta serenidade? Está aqui um negro que durante anos foi apresentado por uma imprensa apaixonada, tendenciosa, injusta, unilateral, como fonte de todos os vícios, a origem de todos os crimes. Senhores jurados, Exmo. Juiz presidente, estou cansado e não quero cansar os jurados, peço vênia para recomeçar a minha defesa amanhã pela manhã......
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