domingo, 13 de dezembro de 2020

COLUNA DO DR. ERIVELTON LAGO - VENDENDO BOLO NO CABARÉ

 VENDENDO BOLO NO CABARÉ 

Eu nasci na Rua Filipinho, na cidade de Bacabal, MA. Aos 4 anos de idade minha mãe mudou-se para um povoado conhecido por Boa Vista do Chico Melo. O meu padrasto, Clementino Pinto, era uma espécie de vaqueiro da fazenda e, ao mesmo tempo, cuidava de um pequeno comércio de gêneros alimentícios e tecidos enrolados em um tubo de papelão com os quais se fazia roupas naquela época, meados de 1966. Naquele tempo, todos os meninos acompanhavam as suas mães nas suas atividades de quebra de coco babaçu, roça e lavagem de roupa na beira dos lagos, rios e igarapés. Em 1969, mudamos para a cidade depois de termos morado em outros povoados como Bacuri e água preta do Luís Melo. Já residindo na cidade de Bacabal, minha mãe fazia bolo de tapioca para vender no bairro e, principalmente, no cabaré das três marias, onde eu chegava cedinho e ainda encontrava por lá os últimos boêmios que por lá passavam a noite bebendo as únicas cervejas da época, Brahma e Antarctica, fumando cigarros Gaivota, Continental, Hollywood e Minister. Para se mostrarem para as raparigas, os homens arrematavam a minha bacia de bolo e eu retornava para casa mais cedo para brincar, pois eu estudava à tarde no colégio Manoel Alves de Abreu, no bairro D’ Areia. Depois dos 12 anos de idade, evoluí para outras profissões, eu já não queria mais vender bolo nas ruas, pois aquela atividade para mim já era coisa de menino. Então, saí com meu amigo Genival, hoje policial militar, para encontrarmos uma oficina mecânica para trabalhar como aprendiz. A primeira oficina na qual fui admitido foi a do mecânico Cesostre de Jesus Castro (seu César). Passei um bom tempo por lá ganhando gorjetas nos dias de sábado para ir ao cinema, Cine Ideal, na principal rua da cidade. Era um cinema para meninos e meninas menos abastados em competição com o Cine Kennedy, para onde iam os meninos e meninas de melhor condição financeira. Eram dois cinemas de sucesso, a diferença é que o Cine Ideal quebrava muita fita na hora da sessão cinematográfica, mas quando uma fita quebrava as luzes acendiam e isso evitava as vias de fato entre garotos e garotas daquela época. Eu, meu primo Gilberto, Roquinho, Luís e outros meninos, trabalhamos como aprendiz nas oficinas de Zé Moleiro, Benedito Baixinho e Jabiraca. Aos 14 anos eu já me achava rapaz demais para ser aprendiz de oficina, então fui vender revista da editora abril. Vendi a turma do Walt Disney: Tio Patinhas, Zé Carioca e Mickey. Vendi as revistas Cruzeiro, Veja, Manchete, Fatos e Fotos, Capricho, Sétimo Céu e Contigo. Vendi Zorro, Mandrake, Fantasma, Superman, Tarzan e Tex. Aos 16 anos eu já estava no auge da adolescência, eu já não queria mais sair por aí gritando “olha a revista”, pegava mal, pois eu já estava indo para as festas da União Artística Operária Bacabalense e Vanguarda. Esse clube ainda existe e sobrevive em frente a um moderno prédio comercial “80 Prime Center”, onde tenho escritório de advocacia. Eram os clubes de festa da moda daquela época, além do Clube Icaraí onde se reunia a classe alta da cidade. Minha última oficina de aprendiz foi a de Radiotécnico, onde fiquei dos 16 aos 20 anos consertando rádios abc, philco, philips e semp com Jurandir Careca. Onde quero chegar com essa história? Quero apenas dizer que naquele tempo não era proibido meninos e meninas trabalharem e cujos pais os proibiam de pedirem nas ruas. Hoje mudou, a lei proíbe os meninos trabalharem, mas não proíbe ficarem o dia inteiro na rua pedindo um pedaço de pão. Hoje, por lei, o trabalho infantil só é permitido na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos de idade. Se for trabalho noturno, perigoso ou insalubre a proibição se estende aos 18 anos incompletos. Realmente os tempos mudaram, mas uma coisa é certa, os meninos e meninas que estão proibidos de trabalharem, andam por aí cometendo atos infracionais pela manhã, à tarde e, principalmente, à noite. Por fim, apesar dessa reflexão, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2016 mostram que o Brasil tem 2,4 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhando. Os adolescentes pretos e pardos correspondem a 66,2% do total do grupo identificado em situação de trabalho infantil. Essa estatística, como toda estatística, é duvidosa. Porém, se for verdadeira, os governantes estão negligenciando, pois é perfeitamente possível as crianças estudarem e trabalharem na proporção da idade e condição socioeconômica. O trabalho é a condição objetiva da existência humana.

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